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Às vezes eu sinto que tenho diversas personalidades diferentes. Principalmente quando se trata da internet. Quando você entra no meu Instagram, descobre que eu não sou tão inocente assim. Já faz bastante tempo que eu compartilho fotos nele. Fotos onde eu pareço um garoto mais desejável do que eu realmente sou. Existem muitas capturas sorrindo. Muitas poses diferentes. Existem fotos mais ousadas onde apareço sem camisa, ostentando os músculos que eu ganhei na academia. Tudo parece muito verdadeiro para quem vê de "fora". São tantos likes e comentários. Tantos "obrigados" vazios que eu devolvi em troca daquelas migalhas. Será que as reações das pessoas mudariam se eu postasse o quanto sou infeliz? Se eu cortasse os meus pulsos e compartilhasse uma foto nos stories?

Para ser sincero, eu acho que não.

Fico em casa no domingo. Passo a manhã toda trancado no quarto, assistindo coisas aleatórias na internet. Penso muito sobre a última conversa que tive com o meu pai. Penso em Ted também. Porém, na maior parte do tempo, penso em Fabrizio. Penso nas palavras que trocamos durante a última madrugada, antes de eu fugir novamente feito um cachorrinho amedrontado. Tudo parece um borrão. Minha existência é um borrão. A tarde, lá pelas 13:00, vejo a porta do meu quarto se abrir lentamente.

– A gente precisa conversar. – Meu pai aparece.

Eu sabia que aquilo iria acontecer, mas não sabia se eu realmente estava pronto. Pauso o vídeo que estava sendo reproduzido no meu notebook. Arrasto meu corpo para trás, sentindo minhas costas baterem contra a cabeceira da cama. Meu pai apenas age como o homem silencioso que é quando quer, sentando-se de frente para mim na cadeira da escrivaninha.

– Eu quero que você passe a ver um psiquiatra e um psicólogo. – É a primeira frase que ele fala. – Eu não quero que você trabalhe agora, ok? Tire alguns meses para cuidar de si mesmo primeiro.

Acho que eu deveria estar feliz em ouvir aquilo. Acho até que eu já sonhei em ouvir aquilo algumas vezes. Por que será que não parecia certo como deveria parecer?

– Tá. – É só o que eu digo.

Meu pai luta para conseguir me encarar. Eu sei que aquilo não está sendo nada fácil para ele também. Nunca fomos do tipo carinhosos. Nunca nos abraçávamos ou falávamos eu te amo. Com certeza era mais do que difícil conversar sobre coisas assim.

– Eu não sabia que você se sentia dessa maneira. Eu achava que estava tudo bem com você. – Ele suspira, frustrado consigo mesmo. – Eu nunca reparei.

Eu tinha tanto para falar. Era uma pena não conseguir.

– Eu tenho dezoito anos. Quase nunca saio de casa. Quase não tenho amigos. Nunca namorei como a maioria das pessoas da minha idade. Aliás, você já sabe que eu sou gay. O que significa que também sabe que eu vivi reprimido durante toda a minha vida. – Engulo em seco. – É sério que nunca conseguiu reparar nada?

Meu pai fica em silêncio pelos próximos segundos. Seu rosto fica levemente vermelho.

– Você vai ficar melhor a partir de agora. – Ele se levanta, tentando não me encarar diretamente nos olhos. Com certeza não queria que eu enxergasse fraqueza, dor ou qualquer outro tipo de sentimento. – Eu vou marcar as consultas.

Meu pai caminha novamente até a porta, mas antes de ultrapassá-la, ele para. Meio de costas para mim. Meio de lado. Parece que quer falar mais alguma coisa, só que as palavras estão entaladas em sua garganta. Eu sabia muito bem como era.

– Sabe qual a pior parte disso tudo? – Sou eu quem falo novamente, porque já estava mais do que claro que ele não teria coragem. – Foi eu ter precisado dizer que iria me matar para você perceber que eu não estava bem.

Para Aqueles Que Não Querem Viver [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora