09/13

316 53 120
                                    

"05 de janeiro de 1992: Olá. Meu nome é Fabrizio Rico. Esse diário será o refúgio para a confissão de todas as coisas que me afligem. Comecei a escrevê-lo porque não posso contar para ninguém. As pessoas não entendem quem eu sou. Elas não querem entender. Não sou igual aos outros garotos. Confesso que isso me deixa triste. É difícil viver em um mundo onde ser diferente é inaceitável. Acho que jamais vou saber como é se sentir confortável. Eu sei que minha mãe sabe sobre mim. Tenho certeza que ela sempre soube. Talvez meu pai também saiba, mas é inadmissível para ele. Às vezes sinto vontade de ser totalmente sincero. Deixar com que todo mundo saiba. Pelo jeito ainda não fui corajoso o suficiente para isso. Espero que um dia eu seja..."

O céu já está escuro quando entro em casa novamente. Quase tão escuro quanto meus pensamentos. Não consigo raciocinar direito desde que vi aquela data. Desde que peguei aquele diário. Agora ele está embaixo do meu braço esquerdo. Apertado. Preciso o manter assim para saber que não estou vivendo um pesadelo.

– Aonde você foi? – Meu pai me surpreende no corredor.

– Por favor, me deixa em paz! – Passo direto.

Entro no meu quarto. Fecho a porta. Não tenho tempo para me culpar. Naquela altura do campeonato eu mal ligava se era um péssimo filho. Deixo com que o diário caia sobre a minha escrivaninha. Me sento na cadeira a sua frente. Não o abro. Na verdade, nem mesmo me mecho. Fico lá parado por minutos incontáveis. Fecho meus olhos com força. Desejo desesperadamente estar dormindo. Nada acontece. Não importa o quanto eu implore. Nada acontece. Não saio mais do meu quarto aquela noite. Não faço mais nada aquela noite. Apenas horas e horas depois consigo criar coragem. Pego o diário e volto para cama. Acendo o abajur e abro a primeira página mofada...

São exatamente 01:00 da madrugada quando começo a ler:

"27 de janeiro de 1992: Escuto The Cranberries o tempo todo. Música me ajuda a fugir um pouco da realidade. Me dá esperança de que um dia conseguirei ir para a Itália ser um artesão de violinos. Preciso estudar muito caso queira de verdade. Estou fazendo isso. Quase não saio mais com meus amigos. Preciso me dedicar praticamente o tempo todo. É importante para mim. Quando estiver longe daqui poderei ser quem eu realmente quero ser. Às vezes acho que irei sentir falta da minha família. Na maioria das vezes acho que não..."

O relógio marca 01:45 agora.

"07 de fevereiro de 1992: Hoje meu pai me perguntou se eu não vou arrumar uma namorada. Acho que é a centésima vez apenas nesse mês. Eu me sinto tão mal. Acho que minha mãe sabe que eu me sinto mal, mas ela nunca fala nada. Ela parece ter tanto medo do meu pai. Ou talvez não seja medo a palavra que descreva melhor. Acho que sou parecido com ela nesse aspecto. As pessoas acham que eu sou corajoso, mas isso não é verdade. Eu podia o confrontá-lo se realmente quisesse. Eu podia falar o quanto eu estava magoado com ele. Eu nunca iria me esquecer do que ele havia me obrigado a fazer no meu aniversário de quinze anos. Eu nunca iria superar..."

O relógio marca 02:34 agora.

"17 de fevereiro de 1992: Será que irei me apaixonar algum dia? Há dois anos atrás existia um garoto na minha turma. Ele era alto, tinha cabelos pretos encaracolados e olhos castanhos. Eu sentia que ele me olhava de uma maneira diferente. Uma vez, na aula de Inglês, ele deixou sua perna tocar a minha por debaixo da mesa. Alguns dias depois nos beijamos escondido atrás do ginásio da escola. Meu primeiro beijo. Depois disso ele nunca mais falou comigo. Literalmente fingia que eu não existia. Hoje em dia ele está casado com uma garota que conheceu na igreja. Soube que ela está grávida..."

O relógio marca 03:40 agora.

"01 de março de 1992: Eu não suporto mais viver nessa casa! Meu pai é um idiota! Um estúpido! Ele disse que estou proibido de ir para Itália! Ele disse que eu preciso me casar e comandar os negócios da família! Ele é tão egoísta! Ele sabia que isso significava tudo para mim! Eu odeio ele! Odeio..."

Para Aqueles Que Não Querem Viver [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora