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Eu não penso mais em me matar todos os dias.

Estou sentado na sala de espera do consultório. Não estou nervoso. Não estou assustado também. Dois meses haviam se passado desde que tudo começou. Nessa altura do campeonato, as consultas haviam melhorado bastante. Eu quase já não me sentia mais desconfortável. Eu quase já não escondia mais nada do psicólogo. Conversar realmente havia me ajudado, assim como os remédios. Eu não sentia que eu havia me transformado em uma nova pessoa. Eu sentia que havia resgatado uma versão esquecida de mim.

– Dois meses. – O psicólogo sorri. – Como você se sente?

Estamos sentados frente a frente em sua saleta.

– Melhor do que ontem. – Respondo.

É engraçado pensar como a vida funciona. Curioso perceber como todo seu presente sempre será um reflexo do seu passado. Eu havia tido diversas fases nesses meus dezoito anos. Quando criança eu era uma criatura medrosa. Quando adolescente eu era uma criatura reprimida. Quando jovem eu era uma criatura manipuladora. Hoje eu percebia que eu só fui tudo aquilo por conta do que eu havia vivido. Eu tive medo porque minha vivência familiar havia me traumatizado. Eu passei anos sendo reprimido porque nunca entendi quem eu era. Eu me tornei manipulador por conta do bullying que eu sempre sofri. No final das contas, sempre somos um resultado das coisas boas, mas principalmente das ruins, que somos obrigados a experimentar em nossa vida.

– Isso é ótimo. – Ele afirma. – O que mudou?

Tudo e nada ao mesmo tempo.

– Para falar a verdade, acho que nada mudou. – Reflito. – Sabe, eu sempre gostei de pensar em mim mesmo como o herói da minha história. O mocinho... – Possuo um leve sorriso cheio de significados. – Foi estranho descobrir, de uma hora para outra, que eu havia me tornado o vilão. O antagonista. Eu literalmente estava sendo movido por sentimentos ruins, o que não era tão legal assim. – Penso em tudo naquele momento. Em tudo. – Acho que nada mudou. Eu simplesmente acabei descobrindo que eu sempre vou ser as duas coisas. E tudo bem. Todo mundo é. A diferença é que hoje eu percebo que isso é normal. Estamos destinados a acertar e errar. Precisamos saber nos perdoar, e principalmente, precisamos saber perdoar uns aos outros também.

Primeiro novo detalhe sobre mim: Não faço mais faculdade de Direito. As aulas haviam voltado da greve faziam um mês, mas dessa vez elas voltariam sem mim. Eu odiava aquele curso. Só havia começado porque era imaturo demais para ser corajoso o suficiente. Bem, dessa vez eu havia sido. Eu ainda não sabia como faria para correr atrás do que eu realmente queria, mas com esforço, e um pouco de sorte, eu tinha certeza de que encontraria o caminho certo. Eu só possuía uma vida. Consequentemente, eu não aceitava nada menos do que realizar os meus sonhos, mesmo que eu morresse tentando.

– Realmente, acho que a palavra certa para isso não é mudança. – O psicólogo reflete. – A palavra certa para isso é amadurecimento.

Meu pai me busca na porta do consultório uma hora depois. A viagem até em casa durava cerca de quinze minutos, então aproveitamos para conversar amenidades. No passado isso era totalmente incomum. Agora não mais. Ainda não havíamos furado aquela bolha da intimidade exacerbada. Talvez nunca furaríamos. Porém, com certeza nossa relação havia tido progresso. Quase não discutíamos mais. Para ser sincero, batíamos papo como jamais havíamos feito durante toda nossa vida de pai e filho. Ainda éramos como água e óleo. Gato e cachorro. A surpresa foi descobrir que isso não afetava o amor. Não quando ele era verdadeiro.

– Você não achou estranho quando minha mãe sugeriu que o meu nome fosse Love? – Pergunto algo que eu sempre quis perguntar.

Meu pai arqueia as sobrancelhas, mas não tira os olhos da rua.

Para Aqueles Que Não Querem Viver [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora