Notas iniciais:
Demorei (de novo), mas voltei!
Para falar a verdade, já tinha reescrito esse capítulo há uns vinte dias, só não consegui tempo pra sentar, revisá-lo (mal e porcamente, desculpem qualquer absurdo) e postá-lo.
Espero que vocês aproveitem a leitura!
Nos encontramos nas notas finais.----------
Os sons e as cores da cidade não perdiam a força, mesmo com o dia quase chegando ao seu fim. Sentado na garupa da moto, Shiryu via-se envolvido por mais uma descoberta sobre o lugar e, de certa forma, sobre o mundo. Nos poucos dias em que permaneceu no Japão, antes de voltar para China e por lá ficar até decidir cruzar a Linha do Equador, tinha percebido a agitação e a atmosfera pulsante que Tóquio tinha a oferecer, mas não foi algo que o prendeu o bastante para cogitar aproveitá-las; seu corpo poderia até estar recuperado, a questão era a sua mente. Shiryu sabia que precisaria de algum tempo para absorver e processar tudo que havia acontecido até então. Em todo caso, não era como se fosse completamente alheio à existência desse mundo amplo e tão distinto daquele a que estava habituado, apenas não achava que na vida que fora traçada para si haveria espaço para contemplá-lo e esse era um dos aspectos que vinha tentando trabalhar em si desde que acordou no hospital.
Durante o período da infância que passou no orfanato, Shiryu considerava-se só mais um entre os vários meninos sem ninguém no mundo; nunca tinha parado para pensar se isso era bom ou ruim, aquela era sua realidade, apenas. Ao ser levado para treinar, aceitou sem muito alarde a mudança; seria treinado como um guerreiro, ponto. Esse era o pensamento que carregava ao chegar em Rozan, mas o afeto e o carinho mútuos trazidos pela convivência diária, além do reconhecimento da profunda sabedoria do seu mestre, fizeram com que Shiryu tomasse como propósito ser um homem digno e o melhor cavaleiro possível para honrar todos os ensinamentos daquele a quem tinha como um pai.
A verdade é que conhecer Dohko foi um divisor de águas na vida de Shiryu. Não exatamente por conta do treinamento que recebeu dele, não mesmo; a razão era bem mais delicada e profunda do que isso. Ter alguém em quem se espelhar, alguém que se preocupava e acreditava nele fez com que, pela primeira vez, Shiryu passasse a se entender melhor como indivíduo. A postura apática e inerte com a qual encarava a vida deu lugar a algo mais pulsante e vivo; algo que, provavelmente, trazia adormecido dentro de si e que aflorou de forma quase que irrefreável. Shiryu passou a ser movido por uma sede de aprender, compreender e fazer a diferença que acabara fazendo com que, anos depois, seus companheiros, e até mesmo seus inimigos, vissem em si um exemplo de coragem, sabedoria e lealdade, um homem a se admirar pelo seu profundo senso de justiça e honra. Contudo, o que nenhum deles jamais soube, foram os detalhes sobre o caminho que o levou a ser quem era.
Ser discípulo de Dohko foi, sem dúvidas, uma benção. No início do treinamento, Shiryu encantava-se com a quantidade de conhecimento que seu mestre tinha a oferecer; apesar da pouca idade, essa percepção foi quase que imediata, fazendo com que Shiryu se comportasse como uma pequena esponja, absorvendo tudo o que lhe era passado com a avidez de alguém perdido há dias em um deserto diante de um oásis. Entretanto, à medida em que crescia, pôde notar as pequenas e gradativas mudanças em seu treinamento; se antes as conversas entre Dohko e ele tinham um cunho filosófico constante e bem marcado, com o tempo elas passaram a trazer mais questões sobre poder, manipulação e toda a sorte de distorções que poderiam ser atribuídas aos seres humanos. Shiryu jamais questionou o porquê do seu mestre levantar tais questões, apenas o ouvia atentamente, com o mesmo respeito e concentração de sempre. Foi ao encontrar-se com Mu em Jamiel que Shiryu começou a compreender melhor a situação; foi ali que ele começou a se dar conta de que havia muito mais do que o Torneio Galático ou a Armadura de Sagitário em jogo. Esses dois pontos eram apenas míseras parcelas de um todo tão maior que realmente não existia espaço algum para medo ou hesitação. Acreditava que essa compreensão tinha atingido seus companheiros rapidamente também, mas ainda hoje se questionava se com a mesma amplitude que a ele; e era nesses momentos que enxergava ter Dohko como seu mestre praticamente como uma maldição. Sabia-se forte e capaz justamente por tê-lo guiando seus passos, sendo profundamente grato pelo destino ter feito seu caminho cruzar-se com o de um homem tão sábio, mas esse fato levou-o a ter uma noção mais dura e real do que ele e seus amigos teriam que enfrentar. E por todos os deuses existentes, envergonhava-se das - não poucas - vezes em que quis simplesmente não saber! Não exatamente pelo receio da morte quase certa que o aguardava, já que desde o dia em que Máscara da Morte apareceu nos Cinco Picos podia senti-la pairando sobre si e já tinha aceitado essa possibilidade. Obviamente, o instinto de sobrevivência lhe pregava peças eventualmente, era humano afinal, porém a ignorância lhe parecia uma dádiva infinitamente bem-vinda sempre que as motivações por trás de tudo aquilo lhes voltavam à mente. Ter noção, mesmo que não completamente, do porquê de precisar lutar fazia sua pele eriçar de um jeito asqueroso e incômodo, como se vermes rastejassem dentro do seu corpo. Detestava o fato de se ver preso em um turbilhão de sentimentos contraditórios todas as vezes que esses pensamentos teimavam em surgir, pois se grande parte de si agitava-se em um desejo cru por justiça, havia um pedaço ínfimo de seu ser que, se fosse para ser sincero, sequer queria ter sido envolvido em toda aquela loucura de ego, ganância e poder. Com o início da Guerra Santa propriamente dita, a vozinha irritante calou-se finalmente, fazendo com que Shiryu se tornasse uma massa concreta de senso de dever e determinação. Não achava mais que iria morrer, essa era uma certeza que carregava em seu íntimo e estava realmente disposto a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance pelo bem da humanidade. Era até irônico pensar que, na situação em que se encontravam, era morrer ou morrer. No fim das contas, racionalizar o que enfrentaria dessa forma facilitava, e muito, as coisas. Tinha traçado um desfecho para sua vida, não chegando sequer a cogitar que poderia haver outro, tanto que se viu totalmente atordoado e perdido ao despertar sentindo todo o seu corpo doer, quando esperava não sentir mais nada.
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Depois do fim
FanfictionVidas destinadas a encontrarem seu fim no cumprimento de sua missão não têm espaço para planos. Quão difícil pode ser seguir em frente quando o depois nunca foi uma possibilidade? * Os personagens não me pertencem, são todos do Tio Kurumada. Peguei...