Enjoy ^^
A vegetação, que vinha se tornando gradativamente escassa à medida que o povoado ficava para trás, deu lugar em definitivo a um solo pedregoso e escuro. Apesar disso, o ambiente não era hostil ou ameaçador como se poderia esperar, melancólico talvez fosse a palavra certa para descrever o lugar.
No silêncio quase que absoluto, os passos soavam em uma cadência segura e tranquila. A mochila nas costas poderia indicar tratar-se de um desses jovens curiosos e exploradores. Contudo, a postura decidida e focada mostrava que ele sabia exatamente aonde estava indo, mesmo não tendo pedido qualquer informação desde que desembarcou.
A verdade é que pouco depois de chegar à ilha, um cosmo conhecido respondeu ao seu, guiando seus passos desde então. Seguindo para a origem deste, o homem olhou ao seu redor deixando escapar suspiro ao analisar novamente o que sentira antes sobre o ambiente, dando-se conta de que a melancolia estava realmente presente, mas havia algo com certeza ainda mais profundo, a solidão; não a que permite olhar para dentro de si e meditar, a solidão ali gritava abandono e esquecimento. Buscando não se aprofundar no significado e no peso que a constatação desse fato trazia, seguiu seu caminho.
Após quase uma hora de caminhada, ao alcançar o topo da pequena colina que acabara de subir, o homem viu-se diante de um grande campo de flores, algo verdadeiramente impensável se comparado à paisagem que o acompanhava até dois ou três passos atrás. Embevecido com a visão inesperada, foram precisos alguns segundos para perceber a proximidade do cosmo da pessoa que procurava. Mais atento, localizou uma figura sentada de costas a cerca de dez ou doze metros. Correndo os olhos pelo campo florido, retornando-os em seguida ao homem a sua frente, a compreensão do que presenciava veio rápida e clara ao lembrar-se de uma conversa, que parecia ter acontecido em uma outra vida. Em um gesto respeitoso, sentou-se exatamente onde estava, tirando dos ombros a mochila que trazia, colocando-a ao seu lado e, em silêncio, aguardou que o outro viesse ao seu encontro. Não havia necessidade de anunciar sua presença, ela, com certeza, já fora sentida.
Não demorou para que a figura distante se levantasse de onde estava e seguisse em direção ao visitante. A postura não era exatamente aquela de meses atrás, tampouco não lembrava a adotada durante a infância em comum. A seriedade natural sem dúvidas ainda era perceptível, mas existia certa curiosidade no semblante do homem ao sentar-se ao lado do antigo companheiro.
- É um desvio considerável o seu. - Iniciou o diálogo na tentativa de entender o que se passava.
- Nem tanto. - respondeu, dando de ombros.
O visitante voltou a olhar para a paisagem que destoava absurdamente do entorno, identificando no local onde o outro estava instantes atrás uma cruz singela. Foi atingido pela sensação de ter ultrapassado todo e qualquer limite.
- Desculpe. - Soou sem jeito. Não queria ter sido invasivo a esse ponto, já fora o bastante vindo sem avisar ou ser convidado.
A mudança no outro, mesmo que sutil, não passou despercebida. No instante em que ele desviou o olhar de si, a sombra de algo que lembrava desconforto surgiu no rosto ao seu lado e aquela única palavra, dita naquele tom de voz, foi a peça final para entender o que acontecia. Fitou a pequena cruz antes de se pronunciar.
- Se fosse um problema, teria ido encontrá-lo no meio do caminho e não aguardado aqui. - Surpreendeu-se com a sinceridade de suas próprias palavras.
Era inegavelmente estranho ter outra pessoa ali. Se em algum momento pensou na possibilidade de trazer alguém àquele lugar, definitivamente não seria ele a primeira opção. Na verdade, só havia uma pessoa a quem tinha cogitado "mostrar" aquela parte de si mesmo, aquele pedaço da sua história. Contudo, apesar da estranheza, não se sentia incomodado com a presença do outro.
A sentença fez com que nada mais fosse dito por minutos. Mergulhados nos próprios pensamentos, um processava o que acabara de escutar, experimentando um alívio significativo por saber que, de certa forma, era bem-vindo; enquanto o outro buscava entender em que momento se permitiu baixar a guarda assim, ao ponto de sentir-se bem em ter companhia. Talvez a resposta estivesse na calidez tranquila e reconfortante do cosmo emanado do corpo ao seu lado.
- Por que veio? Como sabia que iria me encontrar aqui? - Apesar de diretas, as perguntas não possuíam a rispidez costumeira. Só queria respostas para perguntas válidas.
- Palpite. - A resposta simplista não pareceu suficiente, então completou. - Foi realmente um palpite. Ainda temos alguns dias até a data final para o comparecimento, por isso resolvi arriscar. De qualquer forma, o desvio não é tão considerável assim.
Havia algo ali, mínimo e discreto, mas com certeza havia. A percepção disso fez com que a desconfiança fosse plantada dentro do outro. Poderia não conhecê-lo tão profundamente, mas sabia ler as pessoas e aqueles olhos… Aqueles olhos que sempre mostraram determinação, senso de justiça e verdade estavam nublados por algo que, mesmo que não pudesse identificar, sabia presente.
- Jamais imaginei que você fosse do tipo que segue palpites. - disse. Por mais que não quisesse ser grosseiro ou mal educado, fez questão de deixar claro que tinha notado tratar-se de, no máximo, uma meia verdade. - E qual seria seu plano B se por acaso não me encontrasse? Passar esses dias aqui no "paraíso" fazendo turismo ecológico? - Completou em uma mistura de sarcasmo e troça.
Um pequeno sorriso surgiu nos lábios do visitante. As sobrancelhas vincadas e o olhar analítico que recebeu do outro demonstravam que, obviamente, ele não acreditou no que ouvira, mas optou por não pressioná-lo e, surpreendente, também não dava mostras de que pretendia manter-se inacessível.
À medida que amadurecia a ideia a respeito daquela viagem tinha em mente a (quase) certeza de que não seria escorraçado ao chegar, mas a forma como o outro estava se comportando beirava o surreal. Um estalo de entendimento o atingiu então. O outro realmente sabia que havia um motivo para sua ida até lá, mas tinha consciência e respeitaria que isso fosse esclarecido no seu tempo. Nascia entre os dois uma compreensão que não julgava ser possível, pelo menos não tão repentina e despretensiosa.
- Ora, por que não? Não tinha pensado sobre isso, mas, se não me engano, passei por uma ou duas pousadas na cidade quando cheguei. - falou, sustentando uma expressão divertida, recebendo uma inimaginável risada do companheiro.
- Chamar aquilo lá de cidade é bondade demais até para você, Shiryu. - Revirou os olhos antes de se pôr de pé.
- Chamar de vilarejo não me parece uma opção também. - respondeu, dando de ombros.
- Bem, estou aqui e não pretendo antecipar minha ida ao Japão. Você pode ficar comigo, se quiser, é claro. A menos que prefira ficar em uma das várias pousadas da cidade. - Um sorriso divertido e discreto acompanhou o convite e com as mãos enfiadas nos bolsos da calça, colocou-se em movimento.
- Se não for incomodar... - Levantou-se também, pegando a mochila em seguida e colocando-a sobre os ombros, retornando pelo caminho de onde veio, agora acompanhado.
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Depois do fim
Fiksi PenggemarVidas destinadas a encontrarem seu fim no cumprimento de sua missão não têm espaço para planos. Quão difícil pode ser seguir em frente quando o depois nunca foi uma possibilidade? * Os personagens não me pertencem, são todos do Tio Kurumada. Peguei...