IV

13 1 1
                                    

— Sabíamos, então, em que pé estávamos — contou Franz. Dohmler disse a Warren que aceitaria o caso, se ele concordasse em ficar longe da filha por tempo indeterminado, com um prazo mínimo de cinco anos. Após o desmoronamento, Warren pareceu principalmente preocupado

em saber se o caso transpiraria, a ponto de vir a ser conhecido na América.

— Estabelecemos uma rotina para Nicole e esperamos. O prognóstico não era nada animador; como você sabe, a porcentagem de curas, até mesmo das chamadas curas sociais, é muito baixa nessa idade.

— Aquelas cinco cartas eram más — disse Dick.

— Muito más. Típicas. Hesitei em deixar a primeira sair da clínica. Depois pensei: "Será bom, para Dick, saber que estamos aqui lutando". Foi muita generosidade sua responder às cartas.

Dick suspirou.

— Era tão bonitinha... Mandava uma porção de instantâneos seus. E, durante um mês, eu não tinha absolutamente nada que fazer, lá. Só o que dizia em minhas cartas era: "Seja boazinha e obedeça aos médicos".

— Era o suficiente, fazia com que tivesse em que pensar, em alguém do lado de fora. Durante algum tempo, não teve ninguém, apenas uma irmã, com quem não parece dar-se muito. Além do mais, o fato de ler as cartas de Nicole ajudou-nos, aqui; eram a medida da sua condição.

— Folgo em saber.

— Vê agora o que aconteceu? Ela sentiu-se cúmplice. Isto nada tem a ver com o caso a não ser pelo fato de querermos reavaliar sua recente estabilidade e força de caráter. Primeiro veio o choque. Depois, foi para um internato e ouviu as conversas das colegas. Como autoproteção, cultivou a ideia de que não tivera cumplicidade, e dali por diante foi fácil deslizar para um mundo fantástico, onde todos os homens eram demônios, e quanto mais neles se confiava, piores eram.

— Alguma vez ela se referiu diretamente ao... horror?

— Não. Para ser franco, quando começou a parecer normal, em outubro, vimo-nos num dilema. Se tivesse trinta anos de idade, teríamos deixado que procurasse, ela mesma, seu ajustamento; mas era tão jovem que temíamos que endurecesse, com tanta coisa retorcida dentro de si. Assim sendo, o dr. Dohmler lhe disse francamente: "Seu dever, agora, é para com você mesma. Isto não significa, absolutamente, o fim de alguma coisa; sua vida está apenas começando", e assim por diante. Ela tem, realmente, boa inteligência, de modo que ele lhe deu alguma coisa de Freud para ler, não muito, e Nicole mostrou-se bastante interessada. Para ser exato, fizemos dela nossa "queridinha", aqui. Mas a pequena é reservada — acrescentou Franz. Hesitou, depois continuou: — Ficamos imaginando se, em suas últimas cartas a você, que ela mesma pôs no correio, em Zurique, escreveu alguma coisa que pudesse dar uma ideia de seu estado de espírito e de seus planos para o futuro.

Dick refletiu.

— Sim e não... Posso trazer-lhe as cartas, se quiser. Ela parece esperançosa, como uma pessoa normal com sede de viver, e até mesmo um pouco romântica. As vezes fala do "passado", como as pessoas que estiveram na prisão. Mas a gente nunca sabe se se referem ao crime, ou à prisão, ou à experiência em geral. Afinal de contas, não passo de uma espécie de figura empalhada em sua vida.

— Claro que compreendo perfeitamente sua posição, e mais uma vez desejo expressar-lhe nossa gratidão. E por isso que eu queria falar-lhe, Dick, antes que você a visse.

Dick riu.

— Acha que ela vai atirar-se nos meus braços?

— Não, isto não. Mas peço-lhe que aja com cuidado. Você atrai as mulheres, Dick.

— Então, que Deus me ajude! Pois bem, serei meigo e repulsivo, comerei alho todas as vezes em que for ao seu encontro e usarei uma barba espetada. Farei com que ela fuja de mim.

— Alho, não! — exclamou Franz, levando a sério. — Você não pode comprometer sua carreira. Mas está brincando.

— ...e posso também mancar um pouco. Além do mais, não há banheiro no lugar onde estou morando.

— Agora vejo que está mesmo brincando — disse Franz, relaxando-se na cadeira, ou, antes, assumindo a posição de quem se relaxa. — Agora, fale-me de você e dos seus planos.

— Só tenho um, Franz, e é ser um bom psicólogo. Talvez o maior de todos os tempos.

Franz riu amavelmente, mas percebeu que, desta vez, Dick não brincava.

— Esta foi boa, e muito americana — disse Franz. — Para nós é mais difícil. — Levantou-se e foi até a porta. — Daqui vejo Zurique, lá está o Campanário de Gross-Münster. Na cripta, acha-se enterrado meu avô. Do outro lado da ponte, está meu antepassado Lavater, que não quis ser sepultado em igreja alguma. Perto, acha-se a estátua de outro antepassado, Heinrich Pestalozzi, e uma do dr. Alfred Escher. Acima de tudo, sempre há Zwingli. Acho-me constantemente perante um panteão de heróis.

— Sim, compreendo. — Dick levantou-se. — Eu estava apenas contando vantagem; tudo está ainda no começo. Muitos dos americanos que se encontram na França estão loucos para voltar à pátria, mas eu não. Se frequentar as aulas da universidade, receberei minha bolsa o ano inteiro. Que me diz de um governo que faz as coisas em grande estilo, porque sabe quais serão os homens de valor, no futuro? Depois vou para casa ver meu pai, devendo ficar lá um mês. Voltarei para cá; já me ofereceram um emprego.

— Onde?

— Seus concorrentes da Clínica Gisler, em Interlaken...

— Nem pense em aceitar — aconselhou-o Franz. — Já tiveram uns doze rapazes, em um ano. O próprio Gisler é um maníaco-depressivo; sua mulher e o amante são os que tomam conta da clínica. Claro que isto é confidencial.

— E que me diz do seu projeto sobre a América? -— perguntou Dick, em tom despreocupado. — Nós dois íamos para Nova York abrir um estabelecimento ultramoderno para bilionários.

— Conversa de estudantes.

Dick jantou com Franz e a esposa, e um cachorrinho que cheirava a borracha queimada, em seu chalé na orla do parque. Sentiu-se vagamente deprimido, não tanto pelo ambiente de economia, nem por causa de Frau Gregorovius, que correspondia ao que dela imaginara, e sim pela súbita limitação de horizontes com a qual Franz parecia conformado.

Para Dick, os limites do ascetismo estavam marcados diferentemente — podia vê-lo como meio para se conseguir um fim, até mesmo como conduzindo a uma glória que o próprio ascetismo daria; mas era duro ver uma pessoa subordinar a vida a escala tão modesta.

Os gestos domésticos de Franz e da esposa, naquele espaço acanhado, careciam de graça e de espírito de aventura. Os meses do pós-guerra, que Dick passara na França, as generosas liquidações feitas sob a égide do esplendor americano tinham afetado seu ponto de vista. Além do mais, homens e mulheres lhe tinham feito muita festa — e a causa de sua volta à Suíça talvez tivesse sido a intuição de que isso não era bom demais para um homem sério. Ele fez com que Kaethe Gregorovius se sentisse encantadora, mas ao mesmo tempo começou a ficar cada vez mais inquieto com o cheiro penetrante de couve-flor ao fogo — detestando-se, ao mesmo tempo, por essa prova de superficialidade.

"Céus, será que, afinal de contas, sou igual aos outros?", pensou, ficando acordado durante muito tempo, à noite. "Serei igual aos outros?"

Isto era material pobre para um socialista, mas rico para aqueles que se ocupavam do trabalho mais raro do mundo. A verdade é que, havia muitos meses, Dick se via naquele dilema dos jovens, quando se deve decidir se vale ou não a pena morrer pelas coisas em que não mais acreditamos. Nas horas mortas, em Zurique, olhando para dentro de uma casa estranha, à luz de um lampião de rua, sentiu que queria ser bom, que queria ser corajoso e sábio, mas que era tudo muito difícil. Desejava também ser amado, se isto pudesse encaixar-se no resto.

Suave é a Noite (1934)Onde histórias criam vida. Descubra agora