Era uma casa inspirada na fachada do palácio do Cardeal de Retz, na Rue Monsieur, mas, uma vez lá dentro, nada havia do passado, ou de um presente que Rosemary conhecesse. A parte externa, de alvenaria, parecia encerrar o futuro, de modo que atravessar o limiar da porta e entrar no longo saguão (onde havia um brilho de aço, e reflexos prateados, e miríades de facetas de espelhos estranhamente lapidados) era como levar um choque elétrico, verdadeira prova para os nervos, extravagante como uma refeição de aveia e haxixe. O efeito não se parecia com nada do que se via na Exposição de Arte Decorativa, pois aqui havia gente dentro, não em frente. Rosemary teve a impressão falsa e excitante de estar no meio de um Cenário e calculou que todos ali sentiam o mesmo.
Havia mais de trinta pessoas, na maioria mulheres, imitadoras de Louisa M. Alcott ou de Madame de Ségur; agiam naquele cenário cautelosamente, com a precisão de mão humana que estivesse catando cacos de vidro. Não se poderia dizer que dominassem o ambiente, quer como indivíduos, quer como grupo, como uma pessoa domina e conhece bem uma obra de arte de sua propriedade, por mais misteriosa que seja; ninguém sabia o que esta sala significava, pois estava evoluindo para uma outra coisa qualquer, tornando-se o que uma sala não é; existir ali era tão difícil como caminhar por uma escada rolante muito encerada, e ninguém poderia conseguir isto a não ser pelas já mencionadas qualidades que limitavam e definiam a maioria dos presentes.
Eram de dois tipos. Havia os americanos e os ingleses que tinham desperdiçado a primavera e o verão, de modo que tudo o que agora faziam tinha inspiração puramente nervosa. Mostravam-se muito quietos e letárgicos em certas horas, depois explodiam em súbitas brigas, ou tinham esgotamento nervoso, ou arvoravam-se em sedutores. A outra classe, que poderia ser chamada dos exploradores, era formada pelos parasitas, que, em comparação com os primeiros, eram sóbrios, sérios, com um objetivo na vida e sem tempo a perder. Conservavam melhor seu equilíbrio num ambiente como este e eram os criadores da atmosfera existente.
A artificialidade se tornou clara a Dick e Rosemary, que imediatamente se viram separados. A garota descobriu de repente que era uma pessoazinha pouco sincera, que falava sem sentir e desejava que o diretor de cena aparecesse. Havia, no entanto, tal agitação, tanto bater de asas na sala, que não considerou sua posição mais incongruente do que a dos outros. Além do mais, sua experiência lhe valeu de alguma coisa, e, após uma série de voltas semimilitares, mudanças e marchas, ela se viu aparentemente conversando com uma moça bem arrumadinha, com belo rosto de rapaz; mas, na realidade, estava mais interessada na conversa que se desenrolava num banco de metal, que parecia uma escada, diagonalmente a ela e a quatro metros de distância.
Três mulheres jovens estavam sentadas nesse banco. Eram todas altas e delgadas, penteadas como manequins, e, enquanto falavam, sacudiam as cabeças pequenas acima dos costumes de tecido escuro, como flores de longos caules e cabeças de cobra.
— E um bom espetáculo — disse uma delas, com voz profunda. — Praticamente é o melhor de Paris... Eu seria a última a negá-lo. Mas, afinal de contas... — suspirou. — As frases que ele repete, e repete... "O mais velho habitante roído pelos roedores." A gente só ri uma vez.
— Prefiro pessoas cuja vida tenha superfície mais áspera — falou a segunda. — E não gosto dela.
— Nunca consegui interessar-me muito por eles, nem por seu grupo. Por quê, por exemplo, a presença do completamente bêbado sr. North?
— Ele viajou -— disse a primeira. — Mas você tem de concordar que os componentes do grupo são as criaturas mais encantadoras deste mundo.
Rosemary contraiu-se indignada, ao perceber que estavam falando dos Diver. Mas a moça com quem ela conversava, de camisa azul engomada, costume cinza, brilhantes olhos azuis e faces rosadas, começara seu jogo. Desesperadamente, começou a mostrar-se tal qual era, e Rosemary logo disto se apercebeu, enojada.