Dick encontrou Nicole no jardim, com os braços cruzados bem alto, nos ombros. Ela fitou-o com seus olhos cinzentos, onde havia a inquiridora curiosidade de uma criança.
— Fui até Cannes — disse ele. — Encontrei a sra. Speers. Ela parte amanhã. Queria vir até aqui despedir-se, mas não a encorajei.
— É pena. Gostaria de que tivesse vindo. Simpatizo com ela. — Sabe quem vi também?... Bartholomew Tailor.
— Não diga!
— Eu nunca deixaria de reconhecer aquela cara de fuinha, velho sabido e experiente que ele é. Estava estudando o terreno para a turma de Ciro; com certeza virão todos, no ano que vem. Desconfio que a sra. Abrams tenha sido uma espécie de sentinela avançada.
E Baby ficou escandalizada, quando viemos para cá, naquele primeiro verão!
— Para eles tanto faz estarem aqui ou acolá, e, afinal, não sei por que não ficam gelando em Deauville.
— Não podemos espalhar uns boatos sobre uma epidemia de cólera, ou coisa semelhante?
— Eu disse a Bartholomew que alguns tipos morriam como moscas, aqui. Disse-lhe que a vida de um "trouxa" era tão curta quanto a de um artilheiro na guerra.
— Você não disse isso.
— Não disse, não — confessou Dick. — Foi muito agradável. Você precisava ver que beleza nossos apertos de mão no bulevar. O encontro de Sigmund Freud e Ward McAllister.
Dick não estava com vontade de conversar. Queria ficar só, para que seus planos sobre o trabalho e o futuro anulassem os pensamentos sobre o amor e o dia de hoje. Nicole sabia disso, trágica e sombriamente, odiando-o um pouco, de maneira animal, mas ao mesmo tempo desejando encostar-se ao seu ombro.
Dick entrou em casa esquecendo-se do que viera ali fazer; lembrou-se em seguida: tocar piano. Sentou-se, assobiando e tocando de ouvido.
Estou pensando em você no meu colo.
Chá para dois e dois para o chá...
E eu para você e você para mim...
No meio da melancolia, compreendeu de repente que Nicole, ao ouvi-lo, adivinharia que ele sentia saudade dos últimos quinze dias. Interrompeu-se com um acorde qualquer e levantou-se.
Era difícil saber para onde ir. Olhou em volta, para a casa que Nicole fizera, paga com o dinheiro do avô dela. Ele era dono apenas da sua oficina e do terreno onde estava construída. Com três mil dólares anuais e o que recebia de suas publicações, Dick responsabilizava-se por suas roupas e gastos pessoais, despesas de adega, e também pela educação de Lanier, o que, no momento, resumia-se ao ordenado da governanta. Nada havia sido planejado, sem que Dick calculasse sua contribuição. Vivendo com simplicidade, viajando de terceira classe quando estava só, tomando vinho mais barato, tendo muito cuidado com suas roupas e censurando-se por qualquer extravagância, Dick conseguia ter relativa independência econômica. Depois de certo ponto, no entanto, tornava-se difícil — sempre era necessário decidirem que emprego dar ao dinheiro da esposa. Claro que Nicole, querendo ter Dick como propriedade sua, desejando que ficasse inativo para sempre, encorajava toda e qualquer indolência de sua parte cumulando-o, de inúmeras formas, de presentes e de dinheiro. A ideia da vila no rochedo, que eles tinham elaborado, em certa ocasião, era um exemplo típico das forças que os distanciavam dos primeiros e simples arranjos feitos em Zurique.
"Não seria mesmo divertido se..." — Fora divertido. E mais tarde: "Não seria mesmo divertido se..."
Mas não era assim tão divertido. O trabalho de Dick confundira-se com os problemas de Nicole; além do mais, as rendas da esposa tinham crescido tão assustadoramente, que pareciam diminuir o valor do trabalho do marido. E havia mais: para ajudar a cura de Nicole, Dick, durante muitos anos, fingira gostar de uma vida doméstica que já não o atraía. A dissimulação se tornava ainda mais difícil nesta inércia, na qual ele se via inevitavelmente sujeito a um exame microscópico. Quando percebia que não era mais capaz de tocar ao piano o que queria, Dick sabia que a vida se apequenara. Ficou no salão durante muito tempo, ouvindo o zumbido do relógio elétrico, ouvindo o zumbido do tempo.
Em novembro as ondas tornaram-se negras e galgaram a muralha, chegando até a estrada da praia. O pouco de vida que ainda restara ao verão desapareceu e as praias tornaram-se melancólicas e desertas, maltratadas pela chuva e pelo mistral. O Hotel de Gausse foi fechado para reforma e ampliações; os andaimes do Cassino de Juan-les-Pins tornaram-se maiores e mais formidáveis. Quando iam a Cannes ou a Nice, Dick e Nicole encontravam caras novas — membros de orquestras, donos de restaurantes, entusiastas de horticultura, construtores de barcos — Dick comprara um barco velho — e membros do Syndicat dlnitiative.
Os Diver conheciam bem seus empregados, procuravam interessar-se pela educação dos filhos. Em dezembro, Nicole parecia estar bem, outra vez; quando passou um mês sem demonstrar tensão, sem que surgisse de lábios contraídos, ou com um sorriso imotivado, ou fazendo um comentário imprevisível, eles foram para os Alpes Suíços passar as férias de Natal.