Capítulo 3 - A Garota de Cabelos Azuis

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Uma semana se passara desde tudo aquilo. Já havia me convencido de que, no cinema aquilo que eu vi era parte do sono pois no dia anterior dormira tarde, que por dia milhares de pessoas são assassinadas, e que há vários garotos com problemas psicológicos que se cortam e jogam RPG ao mesmo tempo. Tudo aquilo era normal (a medida do possível). Tinha de ser.

- Hey Jennifer, estamos indo tomar um lanche, você vem?

- Vou sim, só vou arrumar meu armário.

- Ok, te esperamos lá.

Meu armário no fim do corredor estava a maior bagunça. Por pouco os livros não desabaram em mim quando o abri. O arrumei rapidamente. Não ficou exatamente arrumado, mas pelo menos evitaria que uma tragédia acontecesse.

Depois, saí do colégio e virei à esquina. Costumava ir frequentemente a aquela lanchonete, que ficava somente a duas quadras de lá. Ia atravessar a rua, quando ouvi um barulho alto as minhas costas. Virei-me.

Uma garota estava a minha frente. O cabelo (que estava pintado na cor azul escuro) era curto e estava solto, batendo assim na altura dos ombros. Reconheci o mesmo estilo de Peter, as roupas na cor preta, e o casaco parecido, mas não igual. Ela segurava uma adaga longa, que estava coberta de sangue negro. Ela levantou o olhar. Os olhos eram verdes escuros e profundos, e carregavam um indício de surpresa.

Fiquei parada observando enquanto a garota limpava o sangue na adaga e vinha até mim.

- Então você é a mundana...

- O que vocês são afinal? Algum tipo de gangue? Olhe, eu não tenho dinheiro algum...

Percebi que algumas pessoas que passavam me olhavam com curiosidade, o que eu não entendi.

- Acho melhor me seguir. Isto é, se não quiser indo acabar em um hospício.

Ela começou a andar e eu a segui. Paramos em uma rua muito pouco movimentada. Quando se virou para olhar para mim percebi que, em diversos pontos na pele dela havia símbolos pretos, inclusive um nas costas da mão que empunhou a adaga.

- Olhe, mundana - começou, mas eu a interrompi.

- Por que me chamam assim? Eu tenho um nome, sabia?

- Te chamamos assim porque é o que você é. Inteiramente humana.

- Como se você não fosse...

- Eu não sou como vocês. E, portanto você não deveria poder me ver quando estou com isto. - Ela arregaçou uma das mangas e apontou para um dos inúmeros símbolos que estavam na pele dela.

- Uma tatuagem?

Ela revirou os olhos.

Desde quando consegue ver?

- Ver o que?

- Acho que você me entendeu.

E tinha entendido. As imagens do garoto no cinema, de Peter e da menina que estava a minha frente, passaram pela minha cabeça.

- Desde... semana passada...

- E antes disso nunca viu nada do tipo?

Balancei negativamente a cabeça.

- Havia um demônio seguindo você.

Eu engasguei.

- Um o que?

- Venha, vou te levar a um lugar onde...

- Nunca falei que acreditei em você. - disparei, recuando - Isso tudo... Não é verdade.

- Tem certeza? - perguntou, levantando as sobrancelhas - Então, vem ou fica?

- Eu... - me encolhi um pouco - Eu vou.

Ela se virou e começou a andar novamente. Após um segundo de hesitação, eu fui atrás.

- Ah, e, aliás, meu nome é Jaqueline. - informou, olhando por cima do ombro.

- Jennifer. - falei.

Eu andei um pouco mais depressa para conseguir ficar lado a lado com Jaqueline. Andamos pelo o que pareceu uma eternidade a mim. Nenhuma das duas falou nem comentou nada. Somente andamos. Quando paramos, olhei para o local a nossa frente.

- Consegue ver? - perguntou Jaqueline ao meu lado.

Eu conhecia aquele lugar, passara em frente muitas vezes. Era uma fábrica abandonada havia anos, já estava lá muito antes de eu nascer.

- Hum... a fábrica abandonada na rua da papelaria?

Ela respirou fundo, irritada.

- Se concentre mais.

Olhei novamente, e franzi a testa. Continuou do mesmo jeito por um instante, mas depois, foi como se estive passando um pano em um vidro embaçado. Aos poucos, toda a construção foi mudando, e quando pisquei de novo, vi o que parecia uma grande igreja, realmente grande, com detalhes antigos e lindos.

- Caramba. - falei.

- Vamos.

Ela já tinha recomeçado a andar, quando perguntei

- Mas as outras pessoas não vão estranhar...

- Para elas, ainda é a tal fábrica, e nós passamos direto por ela. - respondeu e foi em direção ao portão.

Coração MarcadoOnde histórias criam vida. Descubra agora