Ele transformaria a chuva em arco-íris

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O primeiro ano foi o pior.

Deixei meu emprego de design na empresa que adorava.

Me recusava a sair de casa, da nossa casa, Sara e Oliver não forçaram uma retirada brusca mas sempre que havia oportunidade tocavam no assunto. 

Era sempre algo como: "Se você quiser pode dormir em minha casa por um tempo" ou "O que acha de irmos até o apartamento de Oliver por um final de semana?". A resposta era sempre não.

Tinham dias que eu não falava, alguns não comia ou comia demais e outros impedia a entrada dos dois.

No inverno foi horrível, odiava como o tempo combinava com a melancolia do lugar. Gelado, escuro e a chuva não parava em conjunto com lágrimas derramadas. Não deixava de pensar nele um dia sequer, observava as fotos pela casa com nada além da dor, fotos onde mostravam um casal radiante. No corredor onde tinha nosso quarto também existia o pequeno escritório dele aonde passei a maior parte dos dias de frio, me sentindo acolhida por seu cheiro ainda presente mesmo depois de meses, imaginando ele mexendo no computador e reclamando do seu colega Leonard. 

Era o que me restava, apenas imaginar.

Imaginar um casamento que não existiu, imaginar viagens que não fizemos ou imaginar filhos que não teremos.

Fazia o tempo passar mais rápido, na minha mente perturbada talvez.

No segundo ano estava com raiva.

Foi a primeira vez que descontei na bebida, não recordava de nada no dia seguinte mas não precisava de muito pra entender o que tinha acontecido, todos os quadros da sala e do corredor jogados no chão em pedaços e até mesmo a estante de livros que ele gostava tanto estava destruída. 

Depois de ter ajeitado tudo e guardar tudo que sobrou tomei uma decisão, não poderia perder ou estragar as memórias boas que tinha em nossa casa. Anthony não agiria assim se estivesse no meu lugar, foi o que pensei antes de arrumar as malas.

Sara apareceu um tempo depois aliviada, poderia jurar ter visto lágrimas afastadas quando me viu pra fora de casa trancando o portão com uma mala em mãos. Me senti culpada por colocar minha família em uma situação como essa, eu não deveria ser um fardo afinal, deveria ser um pilar por ser a mais velha. 

No terceiro ano entrei em contato com uma terapeuta.

Tentando fazer com que meus irmãos acreditassem na minha melhora e me deixassem voltar para a casa antiga. "Um erro", era o que todos diziam quando propus inclusive a terapeuta. Não tinha mais crises de choro, não sentia o peito doer com força como no primeiro ano e pra mim era um avanço enorme. Eu ainda não sorria com frequência mas estava dando passos para voltar a vida social.

Estávamos no meio do terceiro ano quando a Dr. Kashi disse algo que me deu um estalo, mesmo que não fosse novidade.

"A morte é a dor de quem fica, não a de quem vai, ao invés de se esconder por trás de memórias vá honrar elas."

Dali em diante eu cumpri, honrando sem alimentar minha escuridão tentando fazer como ele faria. Por que? Porque eu tinha certeza de que  Anthony do céu transformaria a chuva em arco-íris.

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