Os Olhos de Simon Lake

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Quem tentou olhar para aqueles olhos, jurou estar diante do próprio mal personificado em homem.

Quem ousou olhar por mais tempo deparou-se com a sombria e perturbada mente daquele fantasma.

Quem tentou entender aquele homem, perdeu-se nos mares negros da loucura que inundava o âmago de Simon Lake.


Capítulo I

As vestes impecáveis e postura imponente de Simon precediam a imagem de alguém muito bem sucedido, sob os moldes da sociedade de sua época.

Considerar uma espécie de jogo, a convivência com as pessoas em determinado meio, pode ser uma maneira pragmática e esquemática de existência, mas se esta perspectiva puder se afirmar como verdade, Simon tornou-se um mestre jogador.

...

Alguém com idade suficiente para ser chamado de adulto, normalmente dispõe de melhores condições quando conflitos e discrepâncias exigem que ações sejam tomadas, mas quando criança, as coisas podem parecer um tanto quanto mais difíceis, ou em alguns casos, extremamente terríveis.

Simon poderia ser admirado, face a tudo que precisou superar desde sua infância, não fosse o terrível abismo negro que formou-se em sua alma.

Quando menino, ser objeto de humilhação resumia toda sua interação social.

Algo no pequeno garoto atraía toda sorte de agressões físicas e morais daqueles que o tinham em seu convívio. Sofria quando fora gordo. Sofria quando fora magricelo. Sofria por motivo qualquer. Sofria sem razão nenhuma.

Mudou-se de escola tantas vezes para fugir dos algozes valentões que o assediavam, mas tudo sempre se repetia. Sentia-se fraco, perdedor, feio, incapaz.

Simon era de fato, digno de pena, eis que nem mesmo em seu lar encontrava paz.

Seu pai abandonara a família quando soube da indesejada gravidez do menino, e fosse qual terrível sentimento sua mãe nutria quando se viu ignorada pelo companheiro, direcionou para aquela criança dentro de si; o culpado por afastar o amor da sua vida.

Poder-se-ia considerar o nascimento de Simon um milagre, pois sua mãe por algumas vezes tentou cometer aborto. Mesmo faltando poucas semanas para o parto, batia seu corpo contra uma parede. Tanto agrediu a si mesmo na tentativa de matar seu filho, que precisou ser assistida em sanatório até o momento de dar a luz.

Leonora Lake continuou sob tratamento psiquiátrico por vários meses após o nascimento de seu filho, aumentando assim, seu ódio pela criança, antes responsável por afastar aquele que ela considerava ser o homem com quem casaria, e agora pela sua privação de liberdade. Não considerava a si mesma mentalmente instável. Admitia apenas estar com sentimentos confusos em relação à criança recém saída de seu ventre.

...

Somente com oito anos de idade, Simon foi entregue aos cuidados de Leonora, eis que sua tia, a quem foi confiada a responsabilidade de tutora de garoto, alegava não ter mais condições de tomar conta da criança por carência financeira e psicológica.

A verdade, no entanto, não foi dita: por alguma razão, a irmã de Leonora passara a sentir medo da criança que mantinha sob custódia. Era mulher fervorosamente religiosa e estava convencida de que algo maligno e sombrio acometia e atormentava seu sobrinho.

Martha, irmã mais velha da mãe de Simon, sempre sonhara ser mãe, almejo que há muito tinha perdido esperanças de realizar em razões de problemas de saúde, somados à sua aparente falta de capacidade em perpetuar relacionamentos.

Considerou assim, uma benção em sua vida quando acolhera em seu lar uma inocente criança, para a qual, como filho que nunca pode gerar em seu ventre, daria o amor materno que sempre vislumbrava em seus devaneios.

Buscava em Igrejas cristãs respostas para dissimular sua melancolia, e subterfúgios para justificar sua solidão no tocante aos aspectos amorosos, dedicando assim grande parte de seu tempo a práticas religiosas e baseando seu pensamento e ações em dogmas e preceitos morais palestrados pelos considerados emissários das palavras divinas.

De fato tornara-se ao longo do tempo uma pessoa demasiadamente crente na doutrina protestante, alienando com veemência sua vida a costumes e superstições, sob os moldes de sua religiosidade.

À parte toda a viciosa crendice que Martha assumia como verdade absoluta, o menino Simon era de fato uma criança incomum se comparado a outras de mesma idade; introspectivo e de comportamentos demasiadamente excêntricos. Sempre alheio às pessoas próximas, parecia buscar refúgio em um mundo fantasioso, certamente pintado nos cantos profundos de seu subconsciente.

Estar na presença de Simon era como adentrar uma atmosfera de melancolia e tristeza. A sensação era de que o menino possuía estranha habilidade de extravasar suas emoções e de projetar em sua volta tudo aquilo que sentia, inclusive seus medos mais perturbadores.

Eis que sua tia, inicialmente complacente e bondosa, passara a distanciar-se pouco a pouco e assim, antes de poder sentir qualquer afeto humano, passou a entender com propriedade o significado de desprezo e solidão.

Fosse Simon assolado por algo malévolo ou fosse apenas alvo das crenças de sua tia, seus olhos eram diferentes.

Pareciam janelas para um lugar medonho, pestilento e sem luz.

Os olhos de Simon eram assombrosos.

...

Assim, ao saltar de encontro aos braços de sua mãe, pois desconhecia a verdade sobre seu abandono, encontrou não um seio materno, e sim o início do tormento vindouro. O tortuoso inferno que seria seu lar e sua vida a partir daquele momento.

Continua...



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