Capítulo 6

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Heloísa virou-se na cama, chocando seu corpo com o de Leônidas. Não havia sido um movimento proposital, mas agora que seu nariz estava próximo do dele e o calor do marido a envolvia, Heloísa deixou sua mão passear pelo peito de Leônidas. Ela ouviu um resmungo sonolento antes dele abrir um sorriso, ainda de olhos fechados. E logo ele a puxou ainda mais contra seu corpo.

- Bom dia, minha rosa. – ele disse, rouco, beijando o pescoço de Heloísa. – Você acordou feliz.

- Como é que você sabe? – Heloísa riu sentindo os lábios dele em sua pele, a barba fazendo cócegas antes de causar outra sensação que a fez engolir em seco.

- Porque você sempre acorda feliz quando Clara só acorda uma vez durante a noite. – Leônidas ergueu levemente a camisola dela. – E nós tivemos uma noite incrível ontem.

- Tivemos, não foi? – ela suspirou, bagunçando os cachos dele.

Leônidas se afastou um pouco, observando a expressão de Heloísa mudar. Ele não estava se referindo ao jantar na casa dos Camargo, quando por um milagre nem Matias e nem Afonso ficaram por perto. Estava falando sobre o que fizeram após colocar Clara para dormir. Mas os olhos pensativos de Heloísa disseram tudo o que ele precisava saber.

- Você sente falta da sua irmã e das suas sobrinhas. – constatou, acariciando o rosto da esposa.

Heloísa mergulhou nos olhos verdes que sempre a compreendiam. Já tinham aquela rotina há meses. Clara já estava praticamente dando os primeiros passos, aquela era a casa dele. Dormia e acordava nos braços de Leônidas todos os dias. Mas era verdade. Sentia falta da irmã.

- Não quero que pense que o que temos não é suficiente.

- Eu jamais pensaria isso. – Leônidas encostou o nariz no dela rapidamente. – Eu sinto o quanto você me ama. Todos os dias.

- Mas você tem razão. Eu sinto falta da minha irmã.

Leônidas acariciou os cabelos dela, observando Heloísa se perder em sua própria mente. Era assim quando falavam sobre a família dela. Os Camargo tinham um efeito nocivo nela.

- Você já pensou em contar à ela? – ele perguntou, cuidadoso.

Heloísa voltou aos olhos dele. Havia tanto ali. Tantas certezas e tantas promessas. Ele ficaria ao lado dela se contasse. Estaria ao lado dela, como esteve sem sequer saber sua história. A amaria sem restrições, mesmo que sua família virasse as costas.

E ela já havia pensado sobre isso. Não era justo que sua irmã não soubesse. Mas não era justo que não pudesse ser feliz. Tinha medo do que Matias poderia fazer com ela, com Clara, com Leônidas. Amava sua família, e na maior parte do tempo aquele segredo estava no fundo de sua memória. Sempre presente, mas não na superfície, não doendo todos os dias. Estava aprendendo a lidar com o trauma.

- Eu não quero contar. – Heloísa disse em voz alta o que já sabia em seu coração.

Aquela era sua história, era sua dor. Ajudaria Violeta de outras formas, a protegeria de Matias como pudesse. Mas não era capaz de compartilhar com sua irmã que era Matias o pai de Clara. Que era ele o homem que a amedrontava, ameaçava com um mero olhar. Talvez não fosse justo com Violeta, mas não era justo com ela mesma. Não era uma história justa para ninguém.

Ela esperou pelo julgamento de Leônidas. Por um olhar vacilante de repreensão, por uma palavra de desencorajamento. Esperava que ele desse voz a parte dela que achava que deveria passar por cima de si mesma, que deveria priorizar sua irmã, mesmo que contar pudesse abrir feridas que ainda nem estavam cicatrizadas.

Mas Leônidas assentiu sem realizar nenhuma pergunta, sem fazer nenhum comentário. Entrelaçou os dedos dele com uma promessa silenciosa de que estava ali por ela, de que estaria ali para sempre. E naquele momento Heloísa se sentiu amada, protegida e no lugar certo.

O choro de Clara interrompeu aquele momento, e Leônidas saiu da cama deles dando um beijo na testa de Heloísa, apenas para voltar minutos depois com a filha nos braços. Clara praticamente se jogou do colo de Leônidas para alcançar Heloísa, como sempre fazia. E nos braços da mãe ela observava Leônidas, fazendo sinais com as mãos.

Clara só ficava realmente feliz quando estavam assim, juntos. Quando se misturavam tanto que era praticamente impossível se movimentar. Quando seus pais estavam ao alcance de suas mãos. E era assim que Heloísa e Leônidas também se sentiam felizes, quando estavam em família, naquele mundo que criaram.

Heloísa instintivamente levou a mão a barriga. Estava refletindo sobre o melhor momento de contar para Leônidas que logo aquele mundo não seria apenas dos três. Que em breve as noites que mal começavam a ser tranquilas seriam novamente tumultuadas. Que Clara, tão pequena, já seria uma irmã mais velha.

Há dois dias procurava o melhor momento, mas parecia nunca chegar. E tão imersa em pensamentos Heloísa não percebeu que ele estava imóvel ao lado dela, sob os protestos de Clara, que perdera a atenção do pai. Os olhos verdes fixados naquela carícia que Heloísa fazia distraidamente na própria barriga.

- Meu amor? – ele perguntou, em voz baixa.

Heloísa finalmente voltou a realidade, seguindo o olhar dele até sua barriga. Poderia contar de outra forma, elaborar um presente, mas os olhos de seu marido estavam brilhando apenas pela mera possibilidade. E um sorriso foi tudo o que ela conseguiu formular. Um sorriso enorme, tão sincero, que fez com que outro brotasse nos lábios de Leônidas.

- Parabéns, papai. – ela disse, emocionada com a reação tão genuína dele.

- Eu vou ser pai de novo? – Leônidas perguntou, como se quisesse uma confirmação.

E ela o amava por aquele momento. Porque ele já se sentia pai de Clara, mesmo que biologicamente não fosse. Porque sua reação instintiva não era se alegrar pelo primeiro filho. Ele já era pai de uma linda menina que segurava seu rosto com as duas mãos enquanto observava atentamente aquela troca.

- Vai, meu amor. – Heloísa acariciou o rosto dele, e então segurou uma das mãos de Leônidas, levando até seu ventre.

- Meu Deus, minha rosa. Eu sou o homem mais feliz do mundo. – ele disse, abaixando-se para depositar um beijo na barriga de Heloísa.

O que atraiu a curiosidade de Clara. A gargalhada sincera. E a imitação daquele gesto que parecia para ela tão banal. Mas que levou Heloísa as lágrimas enquanto acariciava os cabelos de Leônidas e de Clara, que agora competiam em beijos estalados.

Seu pequeno bebê já era amado. Tão amado que Heloísa suspirou em paz. Talvez chegasse o dia de contar sua história, mas aquele era o momento de viver sua felicidade.

FIM

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