Heloísa era uma pessoa religiosa. Acreditava em Deus, seguia os ensinamentos bíblicos, era devota de Santa Clara. Havia batizado sua filha em homenagem àquela que foi sua guia em tantos momentos difíceis. Mesmo quando sentiu sua fé em Deus abalada, mesmo quando se sentiu julgada pelo padre Romeu, Heloísa jamais deixou de acreditar em Santa Clara. E, naquela manhã, era aquela sua companhia, enquanto rezava baixo.
Estava assustada com os acontecimentos da noite anterior. Com a forma como Matias se aproximou dela quando estava sozinha na cozinha e, pela primeira vez depois do casamento de Heloísa, a encarou com aqueles olhos que faziam seu estômago embrulhar. Por sorte Manuela estava por perto e o cunhado não conseguiu se aproximar mais, mas agora ela rezava por proteção.
Não gostava de pensar no que havia acontecido. Mal conseguia entender, se fosse sincera. Lembrava-se de achar graciosos os elogios do cunhado quando acreditava que eram inocentes. Com o passar do tempo, as coisas começaram a não fazer sentido. E culminaram em uma noite que Heloísa simplesmente era incapaz de recordar com detalhes. Lembrava-se de estar tonta, aérea, de tentar se afastar de Matias e de mais nada.
Quase acharia que foi apenas um pesadelo, se não fosse pela gravidez. Se não fosse pela confissão do cunhado, com um sorriso de escárnio, afirmando que ela o havia seduzido. Tudo o que ela sentiu depois disso foi culpa. Culpa e um amor profundo por aquela criança que não tinha nenhuma responsabilidade pelo que havia acontecido.
O dia em que confrontou Matias foi o último em que Heloísa falou sobre aquele assunto. Depois se calou em um segredo que sabia que tiraria dela o amor de Violeta, que poderia se transformar em uma vergonha que Clara carregaria pelo resto da vida. E, após o casamento com Leônidas, Matias parou de lançar aqueles olhares que faziam Heloísa tremer de medo. Era como se ela não estivesse mais sozinha.
Mas, na noite anterior, tudo estava ali. A sensação de estar acuada, o sorriso de Matias de quem sabia que tinha poder, o olhar de quem sabia que ela faria qualquer coisa para proteger aquele segredo. E agora estava apavorada, porque Leônidas não poderia protege-la de um passado que não conhecia.
A porta do quarto se abriu, fazendo Heloísa sobressaltar. Esperou ver os olhos doces do marido, mas era o azul gelado de Matias que a encarava, fazendo com que Heloísa desse um passo para trás.
- O que quer aqui? – perguntou, na defensiva.
- Você sabe o que quero aqui. – Matias abriu um sorriso cruel. – Sei que também quer.
- Eu não quero nada com você. Saia daqui, Matias. – ela sentiu a voz vacilar.
- Assim como queria que eu saísse na noite em que nos divertimos? – ele riu, fazendo Heloísa ficar enjoada. – Ninguém precisa saber.
- Eu estou pedindo para sair. Quer que eu grite? Que faça um escândalo?
- Você não faria isso, Heloísa. Morre de medo que alguém descubra que eu sou o pai da sua princesinha. – Matias fingiu um suspiro. – Quem sabe ela até pode me chamar de papai?
- Canalha. – Heloísa lançou-se em direção à ele, dando socos em seu peito. – Desgraçado. Não fale da minha filha. Nunca mais fale da minha filha.
- Sem rebeldia, Heloísa. – em um movimento Matias segurou os braços de Heloísa, encostando a cunhada na cômoda. – Eu sei que você quer.
- Me solta, Matias. Por favor, me solta. – Heloísa tentou se soltar.
- Daqui a pouco. – Matias se aproximou e Heloísa tentou virar o rosto.
- Mas que diabos?
Ela ouviu a voz de Leônidas antes de vê-lo, sentiu Matias sendo afastado dela, e observou com pavor quando o marido encostou o cunhado em uma parede de forma ameaçadora. Leônidas não era um homem violento, mas havia fúria em seus olhos e ele parecia debater o que fazer.
