Heloísa às vezes sentia falta do silêncio. Seu quarto no Engenho ainda permanecia praticamente idêntico ao que era antes da gestação, antes daquele casamento. Quase nada havia mudado, exceto pelo berço ao lado da cama e pelos pertences de Leônidas. Não havia grandes alterações na decoração ou nos móveis. Mas aquele quarto era também de Clara e Leônidas, não apenas dela.
Ela quase nunca deixava Clara aos cuidados de outras pessoas. Confiava em Manuela e Augusta, mas temia que Matias se aproximasse e fizesse algum mal à sua filha. E vê-la nos braços de Violeta era desconfortável porque fazia Heloísa pensar naquele enorme segredo entre eles. Afonso, por sorte, parecia o menos interessado na neta. As únicas pessoas que realmente Heloísa gostava que se aproximassem de Clara eram as sobrinhas gêmeas, Elisa e Isadora.
Mas, naquela noite, a casa estava silenciosa. Afonso, Matias e Leônidas estavam no Cassino, e Heloísa preferia não pensar no que estavam fazendo. Não esperava nada de seu pai e muito menos do cunhado, e não havia motivo algum para se preocupar com o que Leônidas estava fazendo. Não era como o casamento deles fosse de verdade, como se significasse alguma coisa para ela.
Mesmo sentindo falta do silêncio, o daquela noite a deixava desconfortável. Clara estava adormecida, mas a qualquer momento poderia despertar e pela primeira vez desde o nascimento Leônidas não estaria ali quando acontecesse. É claro que ela poderia lidar sozinha com a filha, mas ao tentar fechar os olhos seus pensamentos voltavam para a ausência do marido.
Deveria dormir, porque Clara ainda acordaria mais uma ou duas vezes, e Leônidas talvez nem mesmo voltasse naquela noite. Talvez estivesse com alguma vedete. Não era um homem de se jogar fora e certamente encontraria alguma interessada. E com esse pensamento Heloísa bufou, sentando-se na cama. Como num passe de mágica, a porta abriu discretamente e Leônidas entrou no quarto.
Ele arregalou os olhos ao vê-la e sua expressão de surpresa foi substituída por um sorriso. Deixou um paletó cinza pendurado na cadeira e foi até o berço de Clara, observando a menina dormir. Para a surpresa de Heloísa, os olhos dele se voltaram para ela e Leônidas caminhou até ela, abaixando-se para depositar um beijo em sua testa. Um beijo que estava acostumada a sentir, mas sempre quando parecia estar dormindo.
- Achei que já estaria dormindo. – ele disse baixinho.
Ele tinha um hálito alcoólico que fez Heloísa ter vontade de revirar os olhos, mas em reflexo respirou mais fundo, tentando encontrar qualquer traço, ainda que minúsculo, de algum perfume feminino.
- Eu estava. – ela mentiu. – Devo ter ouvido quando chegaram.
- Só eu cheguei. – Leônidas sorriu constrangido. – Seu pai e seu cunhado prefeririam ficar mais um pouco.
A forma como os olhos dele fugiram dos dela e focaram nos botões da camisa que ele abria fizeram Heloísa ter certeza que sua irmã estava sendo traída. Mais uma vez.
- E você não quis? – ela perguntou, sem saber o motivo.
Leônidas a encarou por alguns segundos, e Heloísa desviou o olhar. As vezes havia tanta intensidade nos olhos dele que ela se sentia constrangida.
- Eu tive um dia cheio. – ele suspirou.
Heloísa desviou o olhar para as próprias unhas quando Leônidas trocou as roupas do dia pelas roupas de dormir. Ele geralmente não se despia na frente dela. E costumava tomar banho antes de deitar e assim que acordava. Talvez estivesse cansado e levemente alcoolizado, porque deitou na cama em seguida.
- Tudo o que eu precisava era de uma boa noite de sono. – Leônidas deu um sorriso bobo em direção à ela. – Interrompida pelo choro da Clarinha, é claro.
