A morte do Imperador

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Pedro estava sentado em um banco no jardim quando seu pai, Luiz, se aproximou. O menino estava lendo um livro e o fechou instantaneamente. Sabia o que aquela aproximação significava: era hora de jogar xadrez. Os dois praticavam as habilidades no jogo todos os dias, desde que Pedro completara dez anos. Segundo Luiz, o xadrez lhe ensinaria a pensar estrategicamente e a respeitar sempre o oponente.

O menino se levantou e seguiu o pai até a velha mesinha de pedra escondida no jardim. Sentou-se ali sabendo que perderia mais uma vez. Ele sempre perdia para seu pai. Frustrava-se algumas vezes, especialmente quando chegava perto da vitória. Mesmo assim, sentia-se privilegiado — nenhum de seus irmãos jogava xadrez com o pai.

— Pronto para começar? — perguntou o pai, arrumando o tabuleiro.

— Sempre estou pronto. — Pedro respondeu.

Começaram, então, o jogo. Foram alguns muitos minutos de concentração, até que Pedro chegou aonde nunca chegara. Tinha a chance de colocar o Rei em xeque. Em sua mente, viu as possibilidades de jogadas se abrirem. Antes de tocar em qualquer peça, parou e pensou. Suas chances de sair vitorioso eram um pouquinho maiores que as de seu pai. Então, optou por mover a rainha.

— Xeque — disse o menino com plena satisfação.

Seu pai, entretanto, se utilizou da falta de proteção do Rei adversário e moveu sua peça escolhida, anunciando:

— Xeque-mate.

Os olhos de Pedro se arregalaram. Como era possível? Mesmo tendo o Rei a sua frente, esperando apenas pelo xeque-mate, seu pai conseguira vencer. Pedro não entendia.

O pai riu da surpresa do filho.

— Pedro, nunca conte com os ovos que a galinha ainda não colocou.

Formou-se um vinco na testa do garoto, ao que o pai explicou:

— Você estava muito seguro de que venceria, Pedro, independente do que fosse acontecer. Mas a vitória, meu filho, nunca deve ser antecipada. Antes disso, sempre há o risco da derrota. Por isso, sempre meça cuidadosamente suas ações e palavras e saiba que, apenas porque a Rainha é a peça mais fácil de se utilizar no momento, não significa que é a peça correta.

Pedro assentiu e, logo depois, começou a rir.

— Ainda bem, papai, que o senhor viverá muito.

— Por que, filho?

— Quanto mais jogo com o senhor, mais vejo que não estou preparado para assumir seu lugar.

O pai, que já estava guardando as peças do jogo, parou e olhou profundamente para o filho.

— Muito pelo contrário, Pedro. Quanto mais você perde, mais vejo que está preparado para assumir meu lugar — disse, e saiu, deixando o filho sozinho no jardim com seus pensamentos.

Pedro não viu mais o pai naquele dia, portanto, não pôde lhe questionar acerca do que quisera dizer mais cedo, após o jogo de xadrez. Também não deixou que aquilo o intrigasse. Como Príncipe Imperial do Brasil, tinha muitas obrigações a cumprir, aulas que deveria atender e leituras obrigatórias. Essas coisas já enchiam demais sua cabeça.

Apenas à noite, o jovem menino pôde ver sua família. Encontrou-a reunida na imensa sala de jantar.

— Boa noite, Pedro — disse seu pai, assim que ele chegou.

— Boa noite, papai. — Ele se sentou no seu assento favorito, à direita do pai

Como na maior parte das noites, o jantar foi servido em meio ao silêncio da família real. Até a pequena princesa Tereza ficava quieta durante este momento. Entretanto, o Imperador tinha outros planos para aquele jantar. E eles não envolviam uma família que comia de maneira silenciosa.

— Por favor, nos deixe a sós — disse ele aos empregados do palácio.

Pedro franziu o cenho e trocou olhares com seu irmão mais novo, Augusto. A Imperatriz, do outro lado da mesa, parecia nervosa, como se já soubesse o que estava por vir.

— Eu gostaria de conversar com vocês a respeito do futuro dessa família.

— Eu vou ganhar um pônei, papai? — Tereza perguntou, com seus olhinhos brilhando de animação.

— Ainda não, querida. — Ele deu a filha um olhar de solidariedade, então, voltou-se para os outros filhos. ­ — Eu pensei muito sobre isso e eu gostaria que vocês tivessem a vida mais normal possível, sem todas essas obrigações da corte. Especialmente você, Pedro.

— Não estou entendendo, papai. — Pedro parou de comer e fitou o pai.

O Imperador ia começar a explicar o que tinha em mente, mas a Imperatriz o interrompeu, dando um tapa muito forte na mesa de madeira.

— Basicamente, o pai de vocês quer privá-los do direito de nascimento de vocês de governar este país!

— Não é bem assim, Hortênsia. — O Imperador manteve a voz calma, em contraposição ao tom de sua esposa. — Eu só não quero que eles carreguem o peso de não poderem fazer nada pelo povo!

— Uma emenda constitucional não é a solução! — A Imperatriz gritou.

As crianças olharam uma para a outra, estranhando o tom de voz de seus pais. Pedro, apesar de imaginar que aquelas brigas deveriam ser frequentes, nunca tinha presenciado nenhum momento como aquele.

— E qual a solução que você sugere, Hortênsia? — O Imperador finalmente gritou. — O que você sugere?

A última fala do pai de Pedro saiu mais fraca. Inicialmente, o garoto achou que ele estivesse se acalmando, até perceber a expressão de seu pai. Parecia que estava sufocando, com uma mão no peito e a outra abrindo os botões da própria camisa. Após alguns segundos, o homem, simplesmente, decidiu parar de lutar contra a roupa que vestia e segurou a borda da mesa de madeira. Seu corpo estava quase caindo em cima do prato de comida.

A Princesa Tereza começou a gritar o nome do pai e a chorar. A menina tremia. Augusto abraçou-a, tentando acalmá-la, enquanto Pedro permanecia estático sem acreditar na cena que via. A Imperatriz Hortênsia, entretanto, em toda sua frieza, começou a dar ordens.

— Augusto, leve a Tereza para o quarto e fique com ela! — Em seguida, olhou para Pedro, ainda estático: — Me ajude a colocar seu pai no chão, agora!

Pedro saiu do transe e correu até seu pai, puxando-o da cadeira de mogno rumo ao chão frio de mármore. Seus olhos encontraram os do Imperador, que parecia querer dizer alguma coisa. Talvez quisesse dar a Pedro algum último conselho, como se soubesse que aqueles eram seus últimos minutos de vida.

— Pai... — o menino sussurrou, passando os dedos pelos fios grisalhos do pai.

— Chame os empregados e mande eles chamarem um médico, qualquer médico, imediatamente! — Hortênsia gritou para o filho mais velho, empurrando-o para longe do pai.

O jovem príncipe se afastou do corpo do pai com os olhos cheios de lágrimas. Antes de sair correndo, atrás de algum funcionário do palácio, ele deu uma última olhada em seu pai deitado ao chão. A Imperatriz, sua mãe, massageava o tórax dele. Porém, pouco a pouco, o Imperador perdia os batimentos cardíacos. Pedro sabia que aquela era a última vez veria o Imperador D. Luiz I, seu pai, com vida. 

IMPERIAIS: O Herdeiro do TronoOnde histórias criam vida. Descubra agora