1. O desaparecimento

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Naquela manhã a sombra de Anajé, à sua direita, o acompanhava devagar, a passos lentos. E como ele tinha as mãos no bolso.

Mas Amanajé não prestava atenção a ela. Nem na estrada... nem no vento... e nem na poeira que o vento insistia em jogar em seu rosto e olhos. Estava perdido em pensamentos.

Bom, quanto à poeira, pelo menos ele teria um motivo para justificar os olhos vermelhos e lacrimejantes. Ainda que não para si...

A aldeia parecia quieta, lenta como ele. E triste...

Anajé tinha quinze anos. Indígena da Aldeia Jaguapiru em Dourados, cursava o primeiro ano do Ensino Médio na Escola Indígena Guateka que ficava no centro da aldeia. E foi lá que ele a conhecera: Lauany.

Lauany tinha a sua idade. Antes de desaparecer ela estudava na sua sala. Anajé se lembrava sempre dela na escola. Suas brincadeiras, seu sorriso, seus cabelos negros longos. Lembrava de quando tomaram tereré e fizeram trabalhos juntos.

Onde ela poderia estar? O que teria acontecido a ela? Ela estaria sofrendo? Teria sido morta, como alguns diziam? Não! Morta não! Ele não podia acreditar nessa possibilidade. No entanto já tinha passado mais de dois meses. Até a polícia estava desistindo de investigar. A família estava perdendo a esperança de encontrá-la.

Anajé ergueu os olhos. Já estava em frente à casa para a qual se dirigia. Uma casa média para o padrão da aldeia, bem-feita e bem-acabada. Nos fundos, já em outro lote, tinha outras duas casas. Uma de tijolo sem acabamento.

A casa para a qual se dirigia era da irmã de Caíque, o amigo que fazia mestrado em arqueologia. Ele sabia que o encontraria ali porque rapaz parava na casa da irmã desde que chegara do estágio da universidade, para evitar colocar em risco a avó que morava com a mãe. Isso por causa da pandemia, que ainda fazia muitas vítimas. Principalmente idosos.

Anajé foi em direção à porta e assim que se aproximou percebeu um grupo de pessoas no quintal, atrás da casa. Além da família de Amary, tia de Caíque, estavam ali também as crianças da vizinhança e a Larissa, a amiga que fazia linguística.

Anajé observou Caíque e Larissa. Estavam próximos e se olhavam de forma terna. Como era ele e Lauany... Antes... 

Uma nova rajada de vento jogou mais poeira em seus olhos. E ele os limpou com força.

Se aproximou lentamente e cumprimentou.

— E a aí, pessoal? Mba'éixa pa?

— Chega aí, Anajé. Vem tomar tereré. A tia arruma um outro copo com erva e uma bomba para você.

— Obrigado — ele agradeceu. Não havia vida em sua voz.

Alguém trouxe uma cadeira para ele, que foi colocada um pouco afastada. Em seguida Amary chegou com o copo e a bomba. A parte de um copo e bomba só para ele era por causa da covid. Mesmo que os adultos da aldeia (ou pelo menos a grande maioria) já tivessem tomado as duas doses da vacina, ainda assim era recomendado o uso das máscaras e o distanciamento. No caso das aldeias indígenas o não compartilhamento da bomba de tereré.

Uma das crianças colocou água em seu copo.

— Que foi cara? — perguntou Caíque — Você parece triste.

— Tô mesmo. E preocupado. Vocês estão acompanhando o caso da Lauany?

— Ah sim! Estamos. A menina que desapareceu e ninguém consegue dar uma informação real que leve a ela.

— Isso mesmo. Cara, ela estudava na minha sala! Era minha vizinha e minha melhor amiga. Como alguém desaparece assim?

Caíque imediatamente ficou chateado de ter feito a pergunta. Como ele podia ter se esquecido?

— Nossa! Eu sinto muito. Nenhuma informação sobre ela ainda?

— Não. Nenhuma informação verdadeira. Todas as informações até agora foram falsas e não deram em nada. Além de tudo tem isso, né, as informações falsas...

Anajé não chegou a terminar. Amary que tinha entrado na casa com a intenção de começar a fazer o almoço chegou na porta esbaforida e falando agitada:

— Gente, corre aqui. Tá dando plantão no jornal local. Disseram que encontraram um corpo na pedreira. Estão achando que é dá menina desparecida.

Todos correram para dentro. Anajé com o coração aos altos. A notícia estava circulando no Facebook. O jornalista estava indo para o local e transmitia ao vivo.

Assim que se inteirou do que se tratava Anajé se levantou e disse:

— Eu vou lá ver.

— Vai como, cara? Você está a pé. Até chegar lá não vai ter mais ninguém lá.

Realmente a Pedreira ficava um pouco longe de onde eles estavam.

— Você me empresta sua bicicleta? — pediu.

— Eu tenho uma ideia melhor — disse Caíque. —Tio, me empresta o carro? Daí eu vou com você e a gente chega bem rápido.

— Pega. Mas toma cuidado. Não se aproximem muito. Houve muitas detonações de dinamite lá nesses últimos meses. Nunca se sabe o que está firme e o que pode deslizar.

— A gente toma cuidado sim. Não vamos nos aproximar muito não. Só vamos ver se é verdade a notícia.

— A gente pode ir também? — perguntou Açucena já olhando para Ítalo.

— O seu tio é que sabe. Não sei eles vão querer moleques atrás deles.

— Pode sim — disse o tio. — Mas só a Açucena e o Ítalo. Porque se a Larissa vai, não cabe mais ninguém no carro.

— Ah, tio! Eu quero ir! — disse Kaluanã já querendo choramingar.

— Ele disse que não dá, filho — disse o pai.

— Bom, é aldeia. A gente se aperta — encerrou Caíque.

No fim das contas foram todos eles e ainda o cachorro Thor, que acomodaram no bagageiro tirando a tampa. Eles queriam rir da situação. Mas todos sabiam que não era o momento.


Notas

Imagem de abertura do capítulo: Escola de Ensino Médio Guateka, situada na Aldeia Jaguapiru, Dourados. 

Mba'éixa pa? – "Como vai?" Cumprimento em língua Kaiowá e Guarani.  


As noivas de RatanabáOnde histórias criam vida. Descubra agora