IN MEMORIAN

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Em 2019, ano da libertadores, muitos diziam a Gerson que ele iria morrer sem ter uma verdadeira família.

Eu, como sua melhor amiga de infância, discordava disso.

Quando éramos pequenos e ingênuos, ele me disse a seguinte frase: Ayana, no dia em que um de nós casarmos, será um completo caos.

Eu concordei na época, achando que relacionamentos não me caiam bem.

E de fato, não caiam.

Minha primeira ilusão amorosa foi com um garoto chamado Gabriel. Ele tinha cabelos loiros, que combinavam prontamente com seus olhos verdes. Achei que ele fosse o meu primeiro amor, mas na verdade, foi totalmente ao contrário.

Ele me disse coisas horríveis, tanto é que Gerson quase o socou na época.

Tempo vai, tempo vem, Gerson começou a namorar e por consequência, afastou-me com o discurso do ciúmes da namorada.

Então eu realmente parei de falar com ele.

Não respondi mensagens, não mandei nada também. Simplesmente comecei a ignorar ele, do mesmo modo que ele fazia.

Mais um tempo passou e a namorada dele estava grávida. Uma garota que se chamaria Giovanna. Outra coisa que me incomodou muito, porque incomodou a bruaca da namorada dele na época, foi ele ter me chamada para ser madrinha.

Aceitei.

Eu não culpava a criança pelos atos dos pais, então aceitei.

E, até hoje, não me arrependo dessa decisão.

Digo isso não por ser chamada como madrinha, mas digo isso porque aceitar ser madrinha da Giovanna me fez conhecer o Gerson pai, um que eu nunca tinha visto e me fez conhecer uma criança que me ama tanto quanto eu a amo e receio que não vou me desgrudar dela tão cedo.

O Gerson pai, que eu encontrei mais tarde, virou o amor da minha vida.

Podem dizer o que quiser sobre o nosso relacionamento, mas nunca vão saber o que ele passou com aquela mulher.

O Gerson que conheci era um raio de sol, um daqueles bem brilhantes, sabe? Ele tinha personalidade, ele se irritava facilmente, tinha um pavio MUITO curto e era impulso também.

Eu não reclamo disso, na verdade, é bom. Aprendi a amar ele com tudo isso, assim como ele aprendeu a me amar: uma garota idiota, com traumas, magoada pelos tantos foras que a vida deu, insuportável quando ficava sem comer.

Bem, coisas da vida, não?

Gerson Santos, você abriu um buraco no meu coração quando se foi.

Obrigada por ser aquele homem.

Eu te amo muito;
Ayana Saidi.

Ayana suspirou com pesar. Saindo daquele lugar que tanto odiava, ela começou a pensar em tudo que viveu com Gerson: as viagens, os encontros, os jogos no Maracanã. Tudo.

— Madrinha? — Giovanna chamou, segurando sua mão e a trazendo de volta para a realidade. — Você está bem? — ela perguntou, seus olhos da mesma tonalidade do pai, gentis. — Que que eu busque um copo de água para você? Tem uma garrafa de água no carro.

A mais velha negou com a cabeça, tentando se situar de onde estava: no cemitério, em frente ao túmulo do marido, segurando um buquê de flores na mão direita e a mão da enteada na esquerda.

— Eu estou bem. Juro. — ela disse, vendo o olhar duvidoso da garota.

Ayana ignorou qualquer outra coisa, inclusive Giovanna, quando finalmente se ajoelhou ao lado do túmulo.

Seus olhos não se desviaram da foto de Gerson enquanto as flores eram depositados na parte lisa.

Ela não demorou muito para explodir em lágrimas. Mexeu a cabeça em direção as flores, pressionando a testa no gelo do mármore recém colocado ali.

— Eu sinto tanto a sua falta. — ela disse, mas saiu mais como um sussurro. — Por que você se foi tão cedo, Gerson? — ela perguntou, mas sabia que nunca seria respondida e que ele não a ouviria.

Sua lágrimas molharam o mármore, acabaram com todo seu rosto, mas ela não ligava.

Não percebeu que Giovanna havia se ajoelhado ao seu lado, também chorando, para tentar levanta-la.

— Ele está em um lugar melhor, madrinha. — a garota disse, puxando seu rosto do mármore. — Em breve todos nós vamos estar juntos, ok?

Ayana concordou, sentindo toda sua força se esvair.

— Espere, eu tenho que fazer uma coisa ainda... — ela disse, pegando o papel do exame médico que havia feito nos últimos dias, antes da morte dele. — A gente tentou tanto e agora ele nem vai estar aqui para ver.

Sem falar mais nada e pedindo para Giovanna manter-se calada também, ela pegou os pequenos sapatinhos vermelhos e os colocou perto da parte inclinada, onde o nome e a foto de Gerson, junto com as datas de nascimento e morte, estavam.

Saindo dali sem dar uma única palavra, Ayana puxou a enteada para a saída.

Ambas já tinha visto demais.

O advogado de Gerson era mais amigável do que ela esperava. Ele havia chamado somente ela e Giovanna, com o intuito de ler o testamento do jogador.

— Bem.... — o homem pigarreou. —  Aqui está. O documento diz que ele deixou a herança toda para três pessoas: Ayana, Giovanna e uma terceira pessoa, um filho que você — apontou para a mulher de pele negra. — e ele ainda terão. Ele diz aqui que descobriu antes que você o pudesse contar. Todos os imóveis, carros, tudo o que era dele agora é de você três e quem irá administrar isso serão vocês, mas muito mais Ayana visto que Giovanna ainda precisa atingir a maioridade. Os documentos de todas as coisas estão aqui, você só precisa assinar, Ayana.

A mulher respirou fundo.

— Ok. — respondeu, simples. — Gi, se você quiser ir indo...

— Você tem certeza? — a mais nova perguntou, em dúvida.

— Sim.

Ela então concordou, deixando Ayana sozinha com o advogado.

— Desembucha. — ela disse.

— Ele deixou um papel a mais aqui. — o advogado disse, puxando outro papel daquela pasta, que na visão dela parecia infinita. — É como se fossem cartas com pedidos dele, eu acho. Não abri, ele disse que não cabia a mim fazer isso.

Ayana ergueu as sobrancelhas.

— Como ele podia saber que iria morrer? Ele morreu em um acidente de carro.

O advogado parecia enjoado.

— Ele não sabia. A única coisa que me disse quando veio aqui pela última vez foi que sentia que não ia longe. Só isso.

— Claro. Eu vou ler as cartas no decorrer dos dias... Obrigada mais uma vez.


Os setes desejos - Gerson SantosOnde histórias criam vida. Descubra agora