Nereida

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Naufrágio

Pisco atordoado e abro os olhos devagar, o céu me fitando, as estrelas luminando. Ao tentar levantar, engasgo um pouco e cuspo uma pequena quantidade de sangue, misturado com areia. Um cheiro forte de maresia inunda as minhas narinas e fico enjoado, mas, mesmo assim, consigo sentar. Observo o ambiente ao redor, tentando me orientar. Praia! Estou numa praia! Com um esforço sobre-humano tento ficar em pé, mas meu corpo exaurido recusa-se a obedecer; assim, rastejo desorientado e me afasto da orla. Cansado, paro um instante para respirar e depois continuo rastejando, por dentro me sentindo um trapo. Já embaixo de uma palmeira, encosto-me em seu tronco, fecho os olhos e flashes do que aconteceu invadem a minha mente, deixando-me em choque. O navio no qual eu viajava, entrou numa tempestade e fomos tragados para dentro da escuridão, onde apenas os raios iluminavam o mar bravio. Meu coração congelou diante do terror que se desenrolava em câmera lenta à minha frente, e enquanto as ondas traiçoeiras batiam no casco tentando nos levar à deriva, vi algo estranho, uma criatura maravilhosa com longos cabelos vermelhos, seios à mostra e uma cauda de peixe. Ela saltava por entre as ondas, mergulhando na vastidão do mar. Limpei as gotas de chuva que teimavam em embaçar a minha visão, tentando acreditar que tudo não passava de uma alucinação. Paralisado, escuto uma melodia que, por incrível que pareça, se sobrepõe ao caos à minha volta e invade os meus ouvidos, confundindo os sentidos e roubando a minha sanidade.

Não sei por quanto tempo a cena aterradora durou, mas confesso que nunca contemplei nada tão apavorante e ao mesmo tempo tão hipnotizante. Não consegui desviar o olhar nem por um segundo, insanamente preso ao chão. Um estrondo ecoa no centro da tempestade, apavorando-me ainda mais. Logo a seguir, um redemoinho surge, começando a consumir o navio. Foi só a partir desse momento que me dei conta de que, além de mim, outras pessoas também assistiam ao prelúdio dantesco, inertes. Gritos, agonia, desespero e aflição se apossaram de todas as almas presentes, e quando o mar por fim encerrou-se em trevas nos engolindo inteiros, o silêncio profundo fez-se presente.

Retorno do meu pesadelo, lúcido, fito a imensidão do mar ainda revolto e balanço a cabeça tentando remover toda a aflição que vivi, bem como esforço-me para compreender como consegui sobreviver a tão alucinante experiência. Observo a noite entranhar-se junto com a fome e a sede que estão exaurindo-me. O barulho forte da chuva e os assobios do vento vindos de dentro da floresta, atrás de mim, me assustam, inundando-me de apreensão. Sem mais forças e tremendo de frio, escorrego e caio na areia molhada, os olhos pesados, o corpo cansado, a alma em frangalhos, rendo-me completamente e desmaio, esperando que o raiar do dia me traga mais esperança.

Uma sensação estranha me faz recobrar um pouco a consciência e abro os olhos com dificuldade, as pálpebras pesadas não me ajudam, pisco algumas vezes, sinto-me confortável, é como se o meu corpo flutuasse. Um sentimento de paz e aconchego me invade. Estou sendo carregado, mas, por quem? Há outro sobrevivente? O cheiro de maresia volta a invadir as minhas narinas, mas há outro odor, um floral amadeirado, que chega até o meu olfato e embaralha a minha percepção. Levanto a cabeça na tentativa de identificar quem é a pessoa que está me salvando, mas meu pescoço dói e dou um gemido, desmaiando novamente.

Um lugar estranho

A impressão de calor e bem-estar envolvem o meu corpo, então, me viro, buscando aconchegar melhor a minha cabeça no travesseiro e volto a adormecer, mas o barulho forte da chuva batendo no telhado e o vento jogando toda a sua raiva contra a janela ao meu lado, despertam-me por completo. Sento-me na cama e, um pouco tonto, tento me localizar. Analiso o ambiente, que por sinal chama bastante a atenção, parece a casa de um pescador, os móveis são simples e velhos, as paredes rebocadas apenas no barro. Há cestos amontoados, redes de pesca penduradas num armador e, num canto, um fogão à lenha bem velho que acredito estar fora de uso. Em cima de uma pequena mesa de madeira um lampião é responsável pela baixa iluminação. Coloco a mão no peito e percebo que estou sem camisa, puxo o lençol e, na verdade, não há um só pedaço de tecido cobrindo o meu corpo. Antes que eu possa explorar melhor o ambiente, a porta é aberta de uma vez e salto da cama, alarmado. Volto os olhos em direção ao local do barulho, e o que vejo é surreal. Uma mulher de cabelos vermelhos, rosto delicado e uma boca carnuda de tirar o fôlego. Meus olhos descem um pouco mais e vejo um vestido floral encharcado, marcando todas as curvas suaves do seu corpo; passeio pelos seios cheios e grandes e subo novamente para o seu rosto, onde sou completamente capturado por seus olhos amendoados. Não consigo parar de olhá-la! Acho que morri afogado e estou nas profundezas do mar de Netuno! A mulher me observa fixamente, também me analisando, devorando-me sem piscar um segundo. Seu olhar derrama desejo, a boca, agora entreaberta, é um convite à luxúria e ao pecado. Experimento uma pequena vertigem e a latência me envolve, enfraquecendo-me os sentidos. Ela abre os lábios enquanto caminha em minha direção e começa a cantar, não consigo identificar em qual língua, só sei que a melodia me deixa confuso, quente, excitado e inflamado. Sem me dar conta, mesmo cambaleante, estou indo ao seu encontro, passos rápidos para a minha condição, coração acelerado, pele arrepiada, a tensão sexual dando voltas e me deixando alucinado. Quando ficamos frente a frente, minhas mãos, sem controle, pousam em seu rosto e, quando nossas bocas se tocam, um desejo louco me consome, incendiando-me. Puxo-a de encontro ao meu corpo esmagando-a, minha consciência duvidando de que o que está acontecendo é real. A canção marca o ritmo dos nossos movimentos; mesmo fraco, rasgo o seu vestido e o seu corpo toma forma diante de mim, exalando um cheiro enlouquecedor me impelindo a possuí-la. Não consigo me controlar, é como se meu cérebro não estivesse no comando, são ações profundamente primitivas. Num impulso, consigo erguê-la e a jogo sobre a cama. Uma excitação selvagem flui das minhas veias e avanço entre as suas pernas. Seu gosto é diferente e inebriante. Afasto-me e agora busco uma vez mais a sua boca. Ela se cala e corresponde à minha investida, prendendo as pernas em torno dos meus quadris e cravando as unhas em minhas costas. Eu sugo sua língua, explorando, conquistando. Ela me morde e suga meu sangue, sinto-me estranho, eu, não sou eu, meu corpo não me pertence, há algo incontrolável nas minhas ações. Deveria estar bastante debilitado, mas não sinto nada, nem dor, nem cansaço e quanto mais provo dela e ela de mim, mais revigorado fico. Preciso tê-la, afundar-me dentro dela, fazê-la minha. Num impulso, possuo e sou possuído, corpos emaranhados numa só sintonia, uma eletricidade percorre minha pele deixando-me eriçado, até que uma explosão de sensações me invade e eu me derramo completamente dentro dela. Levanto a cabeça para vê-la e assim que nossos olhares se encontram, sou arremessado outra vez às trevas.

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