Tempestade em copo d'água

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Sabe aquele sentimento que vem quando o sol aparece após a tempestade? Aquela euforia, não, a decepção mesmo. Tipo "como assim isso não me matou? Eu estava ali, prestes a me afogar e me perder pra sempre na imensidão do oceano, pra onde foi tudo aquilo?". É frustrante quando a turbulência passa e a gente percebe que nem era tão ruim assim, porque passou, se eu soubesse que ia passar eu não teria ligado o gás e fechado as janelas. Teria ficado ali de pé rindo da cara do problema enquanto ele ainda existia, porque saberia que ele logo ia morrer e não eu, mas não é assim que funciona. Acho que é comum do ser humano considerar uma situação como mortal enquanto ela ainda apresenta perigo e depois que passa menosprezá-la como se aquilo não tivesse te causando ataques de pânico segundos atrás. Eu não sei como as outras pessoas reagem mas eu fico morrendo de medo, não, medo não, vergonha, como se todos estivessem vendo meu show o tempo todo, como se fosse algo simples pra todo mundo e somente eu estivesse ali me debatendo na água sendo que bastava apenas levantar, era raso, dava pé. É literalmente fazer uma tempestade em copo d'água, tornar extremo algo pequeno, agir como se fosse definitiva uma dor que vai passar, porque sempre passa, eu sei disso, mas se eu sei então por que ainda continuo morrendo a cada novo problema?
E acho que a pior sequela disso é não conseguir aproveitar a maresia após a tempestade, não conseguir olhar pro céu limpo e o sol brilhando sem pensar na tempestade que a qualquer momento pode se formar ali mesmo. Basta uma nuvem, uma pequena nuvem pra que sua a visão do paraíso se transforme em pura escuridão, eu chamo essa nuvem de gatilho e a tempesdade hoje eu vou chamar de ansiedade. No fim das contas eu sei que isso tá só na minha cabeça, o que não quer dizer que eu não vá agir como se fosse real cada uma das vezes que acontecer, instinto de sobrevivência, deve ser isso. A tempestade chega, eu entro em pânico, me escondo, choro, compro algumas navalhas, entro no banheiro e vejo meu reflexo no espelho. Eu tô quase lá, há anos eu tô quase lá, coragem homem, fuja dela, só tem um jeito e você sabe. Basta uma mensagem, uma mísera mensagem e ela se vai, meu namorado, minha mãe ou meu melhor amigo, ou então uma de minhas irmãs batendo na porta me convidando pra fazer alguma coisa ou minha mãe gritando que a janta está pronta. E agora? O que eu faço com as navalhas? E esse rosto, não dá pra consertar a tempo, é sono, se alguém perguntar. E ali estou eu, de volta ao dia, sentindo a luz do sol bater no meu rosto, foi só isso afinal? Sim, foi, mas ao mesmo tempo não.
Novos motivos pra viver aparecem rápido, deve ser meu cérebro lutando pra sobreviver, ilusões. Mas assim como vem fácil, vai fácil, algo assim não se sustenta por muito tempo e então, chuva novamente, caos novamente, gás ou navalha? O que usar dessa vez? Eu só queria conseguir sair desse ciclo, eu juro que eu tô tentando, alguém está vendo? Alguém me vê em meio a tempestade ou ela nunca existiu, ou eu nunca existi? Será que estamos mesmo no inferno e esse é meu looping infernal? Se isso for verdade então eu nunca vou sair daqui, olha só, mais um motivo pra desistir.

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