A pior nova-iorquina da história

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Me reviro na cama sentindo os raios de sol baterem em meu rosto, eles tinham escapado da cortina entreaberta e com isso, me acordado. Levanto e esfrego os olhos, olho em volta e vejo minha mala no canto do quarto. Pelo visto Magnus já havia passado por ali. Abro um sorriso, grata em ter minhas roupas e não as de Clary para usar. Vou até o banheiro e escovo os dentes rapidamente, volto para o quarto e visto o uniforme preto habitual, calço as botas e saio do quarto. Ouço vozes e risadas vindo da cozinha e atravesso os corredores até lá. Encontro Magnus encostado no namorado, Clary com Jace em um dos bancos e Kit que estava sentado na própria bancada.
- Bom dia- a ruiva diz e eu solto um meio sorriso.
- Bom dia - digo- Aliás, obrigada Magnus pela mala. Sem ofensas, Clary, mas vou ficar um longo tempo longe das suas roupas.
Passo por eles, indo até a geladeira, mas não antes de espetar Kit com alguma.
- Tem gente que come aí- digo baixinho para que apenas ele possa ouvir. O loiro sorri diante da provocação e continua comendo seja lá o que estivesse dentro daquela tigela.
- Como vai o ferimento, Mal? - Magnus pergunta enquanto eu pego pasta de amendoim e me estico para pegar a torrada no armário de cima. Sento em um dos banquinhos e começo a passar a pasta de amendoim nas torradas. Kit olhava com cara de nojo para elas. Reviro os olhos e o ignoro, me virando para responder Magnus.
- Ah, isso! - falo lembrando da linha branca que a cicatriz tinha deixado.
- Estou melhor, obrigada. Pensei em aproveitar o dia para pegar um avião para Amsterdam, tem algumas lojas de armas que eu gostaria de...
- Mal, sobre isso... - o feiticeiro me interrompe e busca os olhos de Alec, como se pedisse ajuda.
- Meu pai está aqui, ele diz querer conversar com você- o caçador diz.
Quase engasgo com a torrada que mastigava.
- Seu pai, o inquisidor - falo com dois olhos arregalados, talvez falando as palavras elas parecessem mais reais. Não funciona - O inquisidor quer conversar comigo.
- É, foi exatamente isso que ele disse- Kit fala apoiando as maos atrás no corpo para sustenta-lo. Magnus lhe dá um tapa na cabeça pelo comentário enquanto eu ainda digeria a informação.
Após perder meu irmão, percebi que haviam sobrado poucas coisas no mundo que me faziam ter medo. A Clave com certeza era uma delas. Durante meses temi que eles me prendesse por acharem que eu de alguma forma tinha trabalhado com meu irmão, fugia de institutos e tentava me misturar aos mundanos para não chamar a atenção deles. Mas ali estava a prova viva de que eles nunca se esqueceram da minha existência nem do meu sobrenome.
- Mal, você está bem? - Clary pergunta- Sinceramente parece que você está prestes a vomitar.
Vejo Jace afastar o banco do meu levemente com a possibilidade daquilo acontecer.
- Café. Preciso de café- falo e me levanto.
Pego uma caneca e despejo o café da cafeteira dentro.
Saio da cozinha ainda bebericando a bebida enquanto minha irmã e Magnus andam ao meu lado, ambos me tranquilizavam com palavras como "formalidade" e "papel de inquisidor fodao".
- Robert é como um cachorro - Magnus fala e eu faço uma careta.
- Um cachorro?
- Ele late, mas nunca morde - o feiticeiro explica - Não se preocupe, não será nada!
Quando chegamos às portas da biblioteca, Magnus toma a caneca da minha mão e dá algumas batidinhas no meu cabelo, ajeitando-o. Clary solta um "Boa sorte" baixinho enquanto o feiticeiro empurra as portas para mim.
Entro me sentindo pequena perto da grandiosidade que era a biblioteca do instituto. Toldos que contavam as histórias tanto dos caçadores de sombras quanto dos demônios, preenchiam o lugar. Quando olho para as estantes repletas de livros, percebo que havia um segundo andar com mais delas. Uma pequena escada em espiral dava acesso a ele. No centro do lugar havia uma estátua gigantesca do anjo Raziel, ele se erguia glorioso em mármore com dois dos três instrumentos mortais nas mãos. Bem a sua frente estava uma longa mesa de madeira maciça e cadeiras altas que pareciam ser feitas do mesmo material. Na ponta da mesa estava sentado Robert Ligthwood, o inquisidor da Clave. Ao seu lado, vejo uma mulher de longos cabelos pretos e pele clara. Sinto um frio na espinha ao reconhecer a Cônsul. Jia Penhallow. Ela raramente era vista fora de Gard, ocupada demais administrando reuniões com o Conselho. Não consigo reprimir o pensamento de que aquilo não seria uma conversa e sim uma apreensão. Jia me levaria para Gard onde eu seria julgada e condenada a morte pelos crimes comedidos por Sebastian. Vejo seus olhos se apertarem ao me encarar e quase posso adivinhar o que ela está pensando. Está pensando em como eu era parecida com ele. Com o garoto que tirou a vida do seu sobrinho, Sebastian Verlac, após se passar por ele e enganar a todos, inclusive a Clary.
- Sente-se, Srta Morgenstern - Robert diz e eu vou até uma cadeira, sentando ao seu lado e de frente para a Cônsul - Deve estar se perguntando qual é o motivo de estar aqui. Bom, primeiramente devo lhe dar os parabéns, não foi fácil acha-la. Não sei se estava se escondendo de nós de propósito, mas o fato é que a Clave a procura dês de o fim da Guerra Maligna.
Balanço a cabeça levemente em concordância, aquilo não era nenhuma surpresa.
- Até o dia de ontem- Jia completa, sua expressão era neutra, mas havia algo nela que fazia com que os pelos do meu braço se arrepiassem. Robert até podia ser um cachorro, mas Jia com certeza era uma pantera feroz, sedenta por vingança - Devo admitir que fiquei bastante surpresa, Srta Morgenstern, quando li o relatório feito por Alec Ligthwood sobre uma luta contra demônios Mantis. Principalmente a parte em que dizia que a irmã gêmea de Jonathan Morgenstern tinha se ferido nela.
- Malysel - digo e a mulher franze o cenho - Podem me chamar de Malysel.
- Seu sobrenome a incomoda? - A Cônsul pergunta e eu vejo o sutil olhar de repreendimento que Robert lança a ela. Jia mal parece perceber.
- Só... digam o que querem- falo direta.
- Uma reunião foi feita com o Conselho assim que a Cônsul leu o relatório do instituto de NY - Robert parece respirar fundo - Foi decidido que você ficará sobre a tutela do instituto, sendo obrigada a manter residência aqui.
- O que? - pergunto, minha voz falhando. De repente o ar que havia no local parecia pouco, sinto meus pulmões aderem com a sensação.
- O conselho queria manda-la para as ilhas Wrangel, para estudar as barreiras.
- Você quer dizer me exilar, não é? - pergunto me levantando abruptamente da mesa. Vejo quando a mão de Jia escorrega para o cinto de armas, ela nota que eu estou olhando e a abaixa novamente.
Uma das coisas que eu aprendi com longos anos lidando com a Clave foi que a frase "ir para as ilhas Wrangel" era a mesma coisa que exilo. Uma alternativa prática para lidar com caçadores que não eram exatamente traidores, mas diante dos olhos do Conselho, também não eram confiáveis. Helen Blackthorn era um perfeito exemplo disso. Uma caçadora de Los Angeles que após ser assinado o tratado da Paz fria, fora exilada por causa do seu sangue de fada.
- Eles acharam que devido as experiências que Valentine fez em você...
- Jace e Clary também foram experiências, e eu não vi ninguém querendo prende-los a um maldito instituto! - argumento
- Valentine injetou neles sangue angelical, não são uma ameaça- Jia fala e meus olhos voam para ela, desafiando-a continuar - Você é gêmea de Jonathan, parte dele...
- Jia - Robert a corta - Basta.
- Houve uma votação para decidir se você seria mandada para o ártico. A maioria do Conselho voltou a favor para exila-la - o inquisidor fala e eu quase sorrio. Porque eu não estava surpresa com aquilo? - Meu filho fez uma ligação para mim minutos antes do início da reunião, ele me pediu para deixa-la aqui, sobre os cuidados do instituto.
Explicou que Magnus a considerava como uma filha, que perde-la para Wrangel acabaria com ele. E que não fazia muito tempo que Clary tinha descoberto que tinha uma irmã viva. Então eu propus outra alternativa.
- Imagino que eles não tenham pulado de alegria em saber que eu seria a pior Nova-iorquina da história - falo com um sorriso frio nos lábios.
- Eu tenho alguns contatos no Conselho, nada com o que precise se preocupar- e com contatos ele quer dizer suborno, penso - Com o voto do Inquisidor e da Cônsul eles não tiveram muito o que argumentar.
- Ela votou para eu ficar? - quase engasgo.
Qual era seu plano? Me matar com suas próprias mãos? Talvez Wrangel fosse muito longe para ela.
- Sim - ela diz se levantando, uma figura imponente diante de mim - A esposa da minha filha foi exilada para Wrangel com o fim da Guerra Maligna. Tentamos todos os anos traze-la de volta para Idris, mas nunca obtemos sucesso. Helen está pagando pelo crime de outros, apenas porque compartilham o mesmo sangue. Não seria justo da minha parte condena-la ao mesmo destino.
- Obrigada... - a palavra sai em forma de pergunta. Aquele era um golpe do qual eu não estava esperando.
- Não me agradeça- sua voz fazia com que eu quisesse me esconder debaixo da mesa - Não gosto nem confio em você, sua família me trouxe muito sofrimento ao longo desses anos. Estou lhe dando uma chance de provar que não é como eles. Faça-me arrepender da minha decisão e eu irei garantir que você tenha um destino bem pior do que Wrangel.
Seus saltos estalam pelo piso da biblioteca enquanto ela sai do lugar, batendo a porta atrás de si.
- Cacete, que saída- resmungo e penso ver o vislumbre de um sorriso no rosto de Robert. Se é que era possível aquele homem sorrir.
- Fique na linha, Malysel. Sua irmã me prometeu que irá ficar de olho em você, assim como Maguns - o inquisidor se levanta - Um deslize. É tudo o que o Conselho precisa para manda-la para Gard. Não de isso a eles. Sei que não escolhemos nossa família, por isso tenho fé em você.
Aceno com a cabeça para ele e naquele momento, consigo enxergar o pai por trás da figura séria e dura que seu cargo exigia. O inquisidor sai da biblioteca e eu ando até uma das largas janelas do lugar. Olho a cidade grande, barulhenta e luminosa dali. Nova York, meu novo lar. Volto um suspiro, me despedindo internamente das minhas férias eternas, das viagens para qualquer canto do planeta e da sensação de liberdade. Dou as boas vindas para patrulhas, treinos e Herondales idiotas.

O outro lado da história - Os Instrumentos Mortais Onde histórias criam vida. Descubra agora