Como eu amo o calor úmido do verão, o vento fresco batendo contra minha pele e a lua cheia no topo do céu, clareando a noite com elegância. O burburinho, à volta, comprova como uma noite destas mexe com o estado de espírito das pessoas. Observo as mesas cheias, espalhadas na calçada do meu bar favorito. As pessoas conversam, riem, falam ao telefone, algumas discutem e depois terminam rindo.
Uma rajada de vento bagunça meu cabelo. Passo os dedos pelos fios, arrumando-os no lugar. Observo as pontas apoiadas no meu colo, brinco com elas entre os dedos. Cortar ou não? Não ... amo-o comprido.
— Beta — chama Camila.
Olho para a minha amiga de longa data. Ainda me lembro de nós duas brincando de: "A secretária e a chefe", dentro das portas abertas do meu guarda-roupa. Colocávamos uma cadeira em frente a um par de portas e atendíamos muitos clientes.
— Fala, Mila — respondo, sugando pelo canudo todo meu suco de morango. Ela me olha entediada, ao ouvir o barulho que faço enquanto sugo até a última gota.
— Ai ... puta que pariu! Macacos me fodam, Roberta — diz arregalando os olhos, brava comigo.
— Nossa! Que boca suja! — respondo, olhando para tela do meu celular na mesa. Às dez e meia da noite, eu já estou morta de cansaço.
— Então, pede uma bebida de gente grande e para de fazer estas coisas — diz antes de levantar a mão para chamar o garçom. Ele acena de volta, vindo em nossa direção.
— Pois não, senhora? — pergunta, parando ao lado da nossa mesa, com seu bloquinho em mãos.
— Queremos duas caipirinhas de frutas vermelhas — pede Camila. Antes de protestar, ela me encara com um: "Cala boca" preso na garganta, mas visível aos olhos.
Reviro os olhos e lhe obedeço. Sim, a Camila sempre foi desse jeito e graças a isso tivemos muitos momentos inesquecíveis e inusitados. Ela era a parte louca da nossa amizade, eu, a careta. Ela, a ruiva, eu, a loira. Seus olhos são castanhos-mel. Os meus, verdes. Ela baixa, com curvas, eu, alta e magra. Ela, gerente de vendas em uma loja de departamento, eu, design de interiores. Ela tem vinte e cinco anos, eu também. Acho que é a única coisa em que somos semelhantes.
— Ah! Adoçada com adoçante, por favor.
Ao terminar de anotar, o garçom nos pede licença e se retira.
— Quem toma caipirinha com adoçante? — cobro.
— Eu. A única magra aqui é você. Preciso me cuidar, senão viro uma bola.
— Não acho que seja um problema. Esses dias, ouvi o Matheus dizendo que adorava seus excessos — lembro.
Ela me olha, segurando a risada, mas não por muito tempo. Logo, começamos gargalhar.
— Não fala dele — pede secando as lágrimas dos olhos.
— É por isso que quis sair? Discutiram? — questiono.
— Ah, Beta — lembra-se de algo enquanto me olha. — Às vezes acho que o Mat ainda vive em nossa época de colégio.
— Você sempre gostou desse jeito moleque dele — digo a ela.
— Eu sei, mas cresci. Estou evoluindo na loja. Quero a minha casa e quando falo sobre isso com ele... — ri desapontada. — ele me olha como se eu fosse uma ET e diz que a minha comida não chega aos pés da que a mãe dele faz.
— Mila, propõe jantar todos os dias na sua sogra — falo.
Ela devolve um olhar com graça, mas cansado.
— Só sugeri isso, porque sei que você tem a Rosana como uma mãe.
— Eu sei, mas quero um homem ao meu lado, não o filho de alguém — reclama.
Nossa conversa é quebrada pelo barulho ensurdecedor de carros acelerando. Ainda fora das nossas vistas, mas cada vez mais alto e perto. Em fração de segundos, dois automóveis importados e modificados aparecem em alta velocidade, na avenida principal, à nossa frente. Um é preto, o outro, prata-fosco. Ambos reduzem a marcha, desacelerando ao chegarem perto do bar em que estamos. Estacionam em frente, ao meio-fio. Camila me olha de volta.
— Escandalosos, não? — pergunta animada. Eu sorrio.
— Será que são gatinhos? — indago com expectativa.
Ela levanta uma sobrancelha para mim.
— As quietinhas são as piores — comenta.
Afio meu olhar para ela, que ri de volta. Ela me conhece tão bem!
— Não sei se são gatinhos, mas a única mesa vaga está ao nosso lado.
Juntas, olhamos para mesa vaga e depois nos encaramos.
— Eles podem sentar-se lá dentro — avalio.
Ela franze o cenho.
— Não vieram desse jeito para se sentarem lá dentro — comenta.
— Podem ser mulheres dirigindo ou estão acompanhados — afirmo, indo além.
— Porra! Não pragueja — ri.
Do carro preto, desce um cara loiro, bem-vestido, corpo atlético. Ele segura o celular e as chaves na mão, caminha até o carro prata, abre a porta e brinca com alguém lá dentro. Aperto meu olhar a fim de enxergar melhor. Então, outro cara sai do carro, bate com a mão fechada, no ombro do amigo, brincando. Paro de respirar por um momento. Puta merda! Ele é alto, o corpo perfeito, com músculos definidos, sem exagero. Cabelo preto, penteado para trás, barba cerrada, bem-feita, olhos escuros e cara de mau.
Começaram a caminhar em direção ao bar, engulo a seco. Noto que ele varre o lugar com olhos críticos, enquanto ouve seu amigo falar rindo. Não procura mulher ou qualquer outra coisa, analisa. Ao chegarem à calçada, o garçom os recepciona.
— Beta, fecha a boca — exige Camila. Obedeço-lhe e a encontro tão chocada quanto eu. — Pelo amor de Deus! Qual você gostou?
— O moreno — respondo de supetão.
— Isso! Eu, do loiro, então resolvido.
"Estamos decidindo quem fica com quem?" — pondero chocada com a nossa atitude.
Ela arrisca a olhar para eles de volta.
— O garçom está trazendo eles para cá — completa.
Meu coração parece uma escola de samba.
— Vamos conversar, estamos parecendo idiotas — lembro-a.
Eles passam atrás da Camila e chegam à mesa.
— Não acredito que sua cliente quis modificar o projeto várias vezes — ela comenta em um tom mais alto.
Eles fazem o pedido de bebidas ao garçom e sentam-se à mesa.
— Quis, quase fiquei louca — comento.
Podemos ouvi-los conversando ao lado. Eu sinto que nos encaram.
— Meninas! Suas bebidas — o garçom deixa nossos copos na mesa. — Perdoem a demora. Estávamos sem adoçante.
Rimos sem graça para o senhor parado à nossa frente.
— Boa, Mila! Você e seus pedidos malucos — alfineto.
O garçom sorri e se retira.
— Não que você precise, certo?
Olhamos surpresas para a voz masculina ao lado. O loiro encara Camila sorrindo. Ela retribui com outro sorriso.
— Lucas — apresenta-se, estendendo a mão.
— Camila — responde, aceitando e apertando sua mão de volta. — Minha amiga Beta — apontou para mim.
— Oi, Beta — cumprimenta Lucas.
— Oi — respondo, sorrindo para ele. Meus olhos vão para o seu amigo.
— Raul — apresenta-se o moreno, olhando em meus olhos, invadindo-me com a sua intensidade.
— Roberta — estico a mão.
Ele a aceita, apertando-a levemente. Seu calor ameaça minha decência. Avalio-o de novo, assim, mais perto, parece ... mais perigoso. Ficamos ali, navegando um dentro do outro.
"Quem é você, Raul?"
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Entre o Desejo e o Risco (( DEGUSTAÇÂO))
RomanceRoberta é designer de interiores, vive o melhor momento na carreira, com grandes clientes e uma infinidade de possibilidades. Há pouco tempo deixou a casa da mãe para ter sua própria casa. Um apartamento não muito longe. Após uma perda imensurável...