10 | Reflexão

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Depois de algum tempo sozinho lá fora, Prem conseguiu parar de chorar e normalizar sua respiração. Se assustou quando ouviu mais uma vez o barulho da porta e secou rapidamente o rosto com as costas da mão, no tempo certo de observar Lino chegar.

— O Rey falou alguma coisa que te deixou desconfortável? — o lusante perguntou ao sentar ao seu lado, sem encará-lo.

— Não, ele só... Me fez pensar um pouco em algumas coisas... Um tanto sérias.

— Me desculpa pela forma como ele reagiu quando você chegou... — Lino parecia envergonhado.

— Como sabe que ele não reagiu bem?

O pequeno então apontou para as grandes orelhas.

— Ah, faz sentido. Então você ouviu nossa conversa aqui fora também?

— Não. Dentro de casa não é possível escutar nada do que acontece aqui fora, assim como aqui fora não se escuta nada lá de dentro.

— Mesmo com as janelas abertas? — O questionamento veio, curioso.

— Mesmo com as janelas abertas — Lino confirmou.

Ficaram algum tempo em silêncio antes de Prem ousar dizer alguma coisa.

— Eu... — Hesitou, estava tentando não demonstrar o quão abalado estava por causa de tudo que lhe vinha acontecendo — Eu não entendi o porquê de ele ter ficado tão irritado.

Lino suspirou hesitante antes de começar a falar.

— Ele se importa muito comigo. Você sabe o que aconteceu com os meus pais... Quem fez aquilo foi um humano — ele explicou — Desde então ele e o Boun sempre ficam receosos quando se trata de humanos.

— Mas o Boun não ficou tão contrariado quanto o Rey — Prem constatou, começando a ficar chateado — Ele é seu namorado, ou algo assim?

— Algo assim. — E então tudo fez sentido — Nós temos um relacionamento queer-platônico. Além disso, ele cresceu comigo, nos conhecemos desde que eu nasci. Ele tava lá, ele viu meus pais morrerem e me ajudou a me animar todos os dias... — dava para perceber o quanto Lino amava Rey. E Prem percebeu que era recíproco.

— Mas para o Boun você não é como um filho? — Ele estava um tanto confuso.

— Sim... — Lino pensava cuidadosamente em como explicar — Ok, preciso te contar algumas coisas. Por ser um vampiro, Boun consegue ler as intenções e sentimentos das pessoas e criaturas, mas só superficialmente. A espécie do Rey é capaz de fazer isso também, mas de uma forma mais profunda. Ele consegue perceber o que alguém sente com facilidade e pode até saber de uma situação pela qual a pessoa está passando atualmente sem que ela o tenha contado antes. Ele sabe mais sobre você do que Boun, e por isso ficou mais angustiado. — Ele parou por alguns segundos para pensar — Talvez eu devesse ficar preocupado por causa disso, mas eu confio em você. E confio no Boun também: ele sabe que suas intenções não são ruins e disso o Rey já não é capaz de saber.

Agora sim tudo na cabeça de Prem parecia se encaixar. Entendia um pouco mais sobre os vampiros e até aprendeu um pouco sobre os stonits, o que nunca pensou que poderia acontecer. Afinal, antes não conhecia aquela espécie. Mesmo que essa conversa com Lino tenha tornado as coisas um pouco mais leves para Prem, ele ainda sentia seus ombros doerem com o peso das palavras de Rey. E foi enquanto pensava nisso que Boun chegou, silenciosamente, parando atrás dos dois garotos ali.

— Prem.

Ele se assustou com o chamado repentino, virando-se de um pulo. Pôde então ver o rosto sério do vampiro que o encarava mais uma vez com aqueles olhos que sabiam ser assustadores. Quando voltou a olhar para Lino, percebeu sua expressão triste, passando a ficar confuso.

— Não vão sentir sua falta no acampamento se não voltar logo? — Boun perguntou sem qualquer mudança na expressão. Prem entendeu o que ele queria dizer.

Sendo assim, apenas se levantou em silêncio, limpou a roupa e deu um abraço de despedida em Lino. Para Boun, apenas um aceno de cabeça, sentindo-se intimidado. Ouviu Lino suspirar tristemente, e então se lembrou: amanhã seria o último dia da turma no acampamento.

— Espera — disse decidido, virando-se novamente para olhá-los. Percebeu que Rey agora estava ali também, escorado na porta aberta, revirando os olhos ao assisti-lo voltar — Amanhã é meu último dia aqui, não vou voltar depois.

— Que bom! — Rey afirmou, sorrindo pela primeira vez no dia, fazendo Prem revirar os olhos. Ali perto, Lino o encarava com uma expressão tristonha.

— Vou sentir saudade de vocês, o que eu faço? Não posso simplesmente ir embora assim.

— Isso tem cara de problema seu, Prem — Rey disse sem remorso algum, ainda com o sorriso sacana no rosto.

Prem ia dizer alguma coisa, mas foi interrompido por Lino:

— Nós podemos te fazer uma festa de despedida! — A voz melodiosa estava animada novamente.

— Lino, não acho que seria uma boa id... — Boun foi interrompido também, mas dessa vez por Prem.

— Vocês fariam isso? — ele perguntou com um sorriso enorme no rosto.

— Não — Rey declarou.

— Sim! — Lino o contradisse.

Boun apenas tampou o rosto com uma mão em um gesto de frustração. No meio de duas crianças e um homem que age como uma seria impossível impor sua voz ou sua vontade.

— Mas Boun está certo... — O mencionado levantou a cabeça, olhando para os dois participantes da conversa — Se eu não voltar agora, vão sentir minha falta no acampamento.

— Nós fazemos a festa amanhã então!

— Se eu sumir de tarde mais uma vez, vou ter problemas com o Perth... — Os dois ficaram em silêncio, pensando. Rey e Boun se entreolharam, aflitos, sabendo que nada que fizessem seria capaz de impedi-los.

— E se for de madrugada? — Boun propôs, desistindo de tentar qualquer coisa que se opusesse à decisão daqueles dois teimosos garotos.

— Essa é uma ótima ideia! — os dois disseram em uníssono.

— Três da manhã? — Prem perguntou.

— Marcado então! — foi a vez de Lino confirmar.

— Sendo assim... Até mais!

E, sendo assistido pelos três que ficaram para trás, voltou saltitando para o lugar de onde não deveria ter ousado sair.

Sonho Místico [bounprem/premboun]Onde histórias criam vida. Descubra agora