NOTA: essa história não é uma fanfic e está sendo revisada, por isso pode conter alguns errinhos de digitação/ ortografia no meio. Os gatilhos estão informados na sinopse do livro. Boa leitura 💖
Capítulo Um
Não era nem meio dia e eu já estava exausta.
Eu morava de favor e trabalhava em uma pequena fazenda de criação de ovelhas, e Harold, dono da fazenda, havia acordado extremamente mau humorado naquela manhã, o que significava trabalho em dobro.
Eu já havia limpado todo o estábulo das ovelhas. No verão, elas passavam o dia inteiro no pasto, mas naquela época do ano, com o frio cruel que tomava conta de tudo, elas passavam a maior parte do tempo dentro do estábulo, conseguindo deixar o lugar ainda mais fedido do que costumava ser. Quando terminei de lavar o chão áspero e abastecer os bebedouros e comedouros, minhas mãos estavam dormentes por conta da temperatura da água. Saí da construção de madeira e fui para o pasto, com Abby, o cão pastor, seguindo-me sem precisar ser chamado. O cão me ajudou a agrupar o rebanho e fazê-lo entrar no estábulo, mas uma ovelha afastou-se do grupo, indo na direção de um riacho parcialmente congelado.
— Traz a ovelha, Abby. Vamos lá, traga a ovelha para dentro — apontei na direção dela, mas o cão apenas latiu e correu na direção oposta, para a casa. — Inferno —
grunhi. — Isso daqui é um inferno cheio de bichos teimosos e mulas de duas patas.Marchei até a ovelha fujona e tentei espantá-la para dentro do estábulo, mas o animal corria de um lado para o outro no pasto, ignorando o estábulo. Não demorou muito para que as outras ovelhas decidissem sair e correr pelo gramado, balindo como se estivessem em uma festa. Assobiei alto, chamando Abby, mas o cão havia definitivamente me abandonado.
Durante dez minutos, tentei agrupar as ovelhas e mandá-las de volta para o lugar de onde nunca deviam ter saído. Após os dez minutos de puro fracasso, não sentia mais nenhum frio, pois todo o meu corpo queimava de raiva e de ofegancia por ficar correndo igual uma idiota. Comecei a gritar e dar empurrões nelas, tentando fazê-las irem para o estábulo à força, até que uma acertou um coice na minha perna, derrubando-me no chão. Fiquei como uma bola, agarrada à perna machucada e desejando que aquelas bolas de lã explodissem.
Ou talvez eu pudesse explodir, assim não teria que resolver esse trabalho estúpido.
Escutei passos fortes contra o gramado coberto de geada. Sentei-me, ainda esfregando a perna machucada, e vi Bertha, esposa de Harold, vindo.
— Por Deus, menina, você não consegue nada direito?
Se é tão fácil assim, por que a Senhora não faz?
Pensei em dizer que aquela porcaria de cachorro fugiu ao invés de me ajudar, mas Bertha começou a rodear as ovelhas, agrupando-as e conduzindo-as para o estábulo em poucos minutos. Levantei-me, fingindo que aquilo não havia me abalado, e encarei o céu, esperando ver as nuvens cinza-escuro que indicam tempestade. Nunca saíamos de casa quando chove forte, o que nos dava um descanso.
O céu estava inteiramente metálico, sem nenhum indício de tempestade. Contudo, um vento gelado como a morte soprou meus cabelos contra meu rosto, tão violentamente que senti como se trepadeiras espinhentas tivessem brotado das minhas têmporas e cobrissem tudo. Tropecei por conta da força do vento, que não deveria estar assim antes do cair da noite, e olhei para a Bertha, esperando vê-la voando céu afora, mas ela estava voltando para a casa, andando sem dificuldade alguma. Apurei minha visão e notei que suas saias balançavam somente porque ela estava andando, e não por conta do vento.
Senti minha espinha arrepiar; foi por conta da temperatura.
Rodei no meu próprio eixo, sondando todo o pasto em busca do que sempre sonhei em ver: os redemoinhos de neve dos Cavaleiros. Se eles acertassem a Senhora eu ficaria tão, tão feliz. Ela ainda estava fora da casa, batendo as botas enlameadas para que não sujassem o piso da parte inteira da residência. Ainda dá tempo, ainda dá tempo...
Algo atingiu meu peito, derrubando-me no chão como se um próprio deus tivesse me empurrado. Fiquei sem ar, ansiando como um cardíaco, e senti algo subir pelas minhas mãos, como dezenas de pequenas aranhas.
Mas não eram aranhas, e sim uma fina camada de gelo, tal qual as que se formavam sobre as folhas das árvores.
Eles haviam me acertado. E não fora na cabeça.
Levantei-me aos tropeços, sentindo meu peito queimar. Deveria ter sido na cabeça! Eu queria que meus sentimentos congelassem, e não o meu corpo inteiro. Tentei correr para dentro da casa e gritar por ajuda, mas meus pés pesavam como dois blocos de gelo e minha voz simplesmente não saía, como se minhas cordas vocais já estivessem paralisadas para sempre.
Peguei uma pedra e arremessei-a com o máximo de força que consegui, acertando a cabeça de Bertha.
— Sua garota do demônio! — ela esbravejou em minha direção, pegando o galho seco caído que sempre deixava pendurado na cerca da divisa entre o pasto e a casa, fosse para bater nos animais ou nos funcionários.
Quando ela chegou até mim, estendi as mãos para lhe mostrar o gelo, mas ela estava cegada pela fúria, a testa cortada e sangrando. O galho fino estalou contra minhas palmas, e o sangue se espalhou por baixo do gelo. Fiquei encarando fixamente, encantada pela beleza e aterrorizada porque eu estava congelando.
Ergui as mãos bem em frente ao rosto da senhora, que finalmente notou o que acontecia. Com a voz tremendo — coisa que eu nunca havia presenciado — ela perguntou:
— Eles acertaram o seu peito?
Não, acertaram o meu...
Senti uma pancada no meio da testa. Primeiro, pensei que foi Bertha, tentando me matar com uma pedrada para que ninguém no vilarejo comentasse que uma de suas serviçais fora congelada. Mas então ouvi-a gritar e se afastar rapidamente, desaparecendo no interior da casa e fechando a porta, trancando-me do lado de fora.
Afundei o rosto na grama gelada, sentindo o frio queimar minha pele. Perdi a noção de quanto tempo permaneci daquele jeito, caída feito um cadáver. Senti minhas extremidades congelando, o gelo espalhando-se como erva daninha. Senti a nevasca caindo sobre mim, as ovelhas cutucando-me com seus focinhos. Senti o sol do meio dia aquecer-me um pouco, e senti a sombra da noite resfriar meu corpo logo depois. Senti um pássaro bicar minha cabeça. Mas, ainda assim, não levantei.
Por fora, sentia tudo, mas por dentro não sentia mais nada. Eles haviam atingido-me por completo.

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A fúria e o gelo
ФэнтезиNÃO (NÃO NÃO NÃO ) NÃO É FANFIC DE ACOTAR ⚠️ Repetindo pra deixar bem claro: isso daqui não é FANFIC de acotar e nem de nenhuma outra saga. GATILHOS: alcoolismo, pensamentos depressivos, agressão física e verbal, tortura, palavrões, desprezo, luto...