A manhã surgia com brilho e calor, olhava para a janela e fitava os pássaros voarem se juntando a natureza.
A casa ficava longe da pequena cidade que havia me enfiado para chegar a taverna, mas não impedia que os sons dos trabalhadores e crianças brincando fossem soados e ouvidos por lá.
Mal teria pregados os olhos na noite passada. Apertei a adaga em minhas mãos. Um objeto tão pequeno, mas que teria me dado bastante conforto a noite. Cada passo e som me despertava. Mas como poderia dormir bem em uma casa de desconhecidos? Balancei lentamente minha cabeça e me virei para o restante do quarto.
Uma nova troca de roupa foi deixada para mim minutos atrás, por uma mulher. Ela parecia agitada e talvez até com medo. Fitei a roupa e me levantei, seguindo em sua direção. Seu tecido era macio, mas apresentava resistência, uma roupa feita especialmente para viagens.
Primeiro se tinha uma camisa branca. Comum. Estava por cima de uma calça de couro, toquei e analisei cada canto. Tudo parecia tão bem feito e um sentimento ruim aflorou em meu peito. Bem feito até demais para mim. Por último, uma outra camisa feita de couro, que tocava uma parte do chão e um par de botas.
Me vesti, não faria um escândalo pelas roupas e no final, poderia tira-las e vende-las por um bom preço. A segunda camisa era menor e pareceu servir perfeitamente em minhas medidas. Me virei para o espelho.
Passei minha mão por meu tronco, sentindo o tecido se contrapor com meu corpo e calor. Depois percorri minha visão sobre meu rosto e cabelo. Meu pai não se passará de um homem branco de olhos claros comum, mas por outro lado, minha mãe residia de uma geração dos antigos indígenas que habitaram nossos campos. Por fora, sua pele se estendia ao branco, mas sua genética teria caído totalmente em mim. Uma pele avelã me circulava, junto a olhos castanhos claros e um cabelo intensamente preto e liso. O prendi em um rabo de cavalo.
Minha mãe, há muito me ensinava sobre nossas canções de guerra e bençãos, teria enchido meu corpo com tinturas se essa viagem tivesse sido aprovada por ela. Meu peito pesou. Olhei fixadamente para meu reflexo.
— Não. Não agora. — Segurei as lágrimas que lutavam para sair.
Me afastei, me armei com o arco nas costas e espada ao quadril e sai pegando minha mochila, indo de encontro aos meus hóspedes.
...
O sol do meio dia torrava nossos corpos. Há horas tinha saído da "confortável" mansão, para seguir adiante.
Ao descer e enfrentar os dois homens os quais viajaria, fui devidamente apresentada. Por suas vozes, o "chefinho" teria o nome de Kerin, já seu colega com a cicatriz em "x" se chamava Caspian.
Nada como uma apresentação sem atrasos.
Os primeiros metros foram em total silêncio e um clima chato se mantinha sobre nós três, até que se suavizou ao adentrarmos uma nova cidade. Se me lembrava bem, na estrada principal para a capital se prolongavam apenas quatro cidades e já tinha passado por duas, ao se contar com essa. O problema seria que a distância das últimas cidades eram mais da metade do caminho por si só, sem contar com a distância final para a capital.
Suspirei e alcancei o cantil em minha mochila, enquanto esperávamos em uma fila para entrar na cidade de Kairam, conhecida como uma das mais perigosas de todo o país. Bebi um gole e uma careta se tornou visível em meu rosto, fazendo Caspian rir, Kerin pareceu não ligar.
— Não trouxemos água. — Seu cavalo circulou sobre o meu.
— Isso os fariam derreter? — Limpei o canto da minha boca e voltei a pequena garrafa para minha mochila.
— Talvez. — Disse sorrindo e voltou para seu antigo lugar. Idiota.
Não demorou para que entrassemos na cidade. Nada que umas moedas entregues, por Kerin, não dessem conta do recado.
A cidade estava aos pedaços. Mendigos e crianças se encontravam espalhadas pelas ruas. O cheiro de morte, esterco e podridão adentravam tão fortemente minhas narinas que tive que amarrar um pano em meu rosto, que pouco pareceu ajudar.
— Fiquem atentos. Esse lugar é famoso por conter ladrões e assassinos. — Informou Kerin a mim e Caspian. Apenas concordamos com a cabeça.
Posição de triângulo se formou entre nós, tendo Kerin a frente, guiando o caminho. Meus olhos ardiam. Como poderia a coroa permitir uma cidade assim? Quanta miséria.
Estávamos percorrendo a cidade há quase uma hora e seu centro já era possível se ver. O sol aos poucos perdia seu brilho no céu e uma onda fria criada de vento tocava minha pele. Agradeci pela roupa que usava me manter aquecida, enquanto as luzes do mercado central se acendia e refletiam minha pele. Olhei em volta e as mercadorias se prolongavam entre carne de peixe a ratos, como a compra de um tecido para de uma pessoa.
Pensava que a escravidão havia acabado há centenas de anos. Só me dei conta agora. Nunca tinha ido para esse lado do país. Nunca cheguei a capital, principalmente por esse caminho. Kerin se virou para mim.
— Você está bem? — Caspian também me olhou. Pareciam acostumados com o que ocorria só redor, mas simplesmente não pareciam se importar ou demonstrar.
— Só vamos sair logo daqui. — Eles pareceram concordar e voltaram sua atenção para a estrada escura.
Estávamos chegando ao fim da cidade quando ouvi um grito. Me virei para seu rumo. Em todo nosso percurso, somente agora as ruas pareciam calmas para que um grito de socorro fosse escutado.
Então eu avistei, no fim da segunda rua, dois homens encurralavam uma garota e puxavam suas roupas. Os outros perceberam para onde minha atenção se seguia e o som de Caspian dizendo "Não!" em uma tentativa de me impedir de ajudar ressou, mas já estava com meu cavalo a caminho da garota, o ignorei.
Enquanto seguia com meu cavalo galopando em direção ao grito, carreguei meu arco com uma flecha e a atirei sobre a cabeça de um dos homens. Ele caiu sobre a mulher. Ela gritou e o outro se virou para me olhar. Seu semblante estava repleto de ódio, não me importei. Apontei mais uma flecha para ele e recuei a rédea de meu cavalo para que parasse. Ele obedeceu.
A mulher empurrou o morto ao chão e com a distância encurtada pude perceber que seus seios já estavam àmostra.
— Vá. Ou seu destino será o mesmo que o dele. — Apontei a flecha para o homem e ele riu. Dentes amarelos se mostraram, mesmo com a pouca iluminação da rua, junto a alguns espaços que deveriam ser ocupados por dentes. Franzi minha testa. Não estava com paciência para isso.
— Vadia ingênua. Está em Kairam, não na saia da mamãe! — Sua risada aumentou e várias pessoas, homens, mulheres e crianças, saíram dos becos que circulavam a rua. — Agora desça do cavalo e seja uma boa menina. Talvez assim você saia com vida daqui.
Olhei para a moça em que pensava salvar e ela me olhou de volta, seu rosto estava coberto de desprezo e raiva, mas não para os homens a sua volta, e sim para mim. Suspirei. Devo concordar com ingênua. Senti meu sangue ferver pela situação e raiva tomar meu corpo por ter caído em um esquema tão baixo em um local como esse. Então, sorri.
— Sim, é claro. — Coloquei o arco nas costas e desci em um movimento rápido do cavalo.
O homem sorriu e as pessoas a sua volta se mantinham de canto, como se esperassem uma ordem. Me aproximei do homem e enfiei a flecha em seu olho esquerdo. Retirei minha espada da bainha e enquanto o homem gemia de dor a enfiei em seu tronco. O vendo cair ao retirá-la. Olhei em volta.
— Quem é o próximo? — Ninguém se mexeu. Mas senti seus olhares sobre mim me amaldiçoando. Limpei a espada sobre seus trapos e a coloquei novamente na bainha. Me virei e subi no cavalo.
Olhei para trás e um homem, a poucos metros de mim, com uma pequena faca se debatia sobre o chão, sangue escorria sobre seus ouvidos, olhos e boca. Segui meu olhar para os dois homens que me observavam, além da pequena multidão, calmamente sobre seus cavalos.
Magia, claro.
— Vamos, Ayla. Hora de sair daqui. — Kerin disse.
Juntei meu cavalo aos deles e saímos da cidade.
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A FAMÍLIA PRINCIPAL
Fiksi UmumImagine crescer sendo treinada por uma família de assassinos e descobrir que nem tudo é como te mostraram. Acontece que a verdade nem sempre é dita, principalmente por aqueles que mais amamos. Ayla, enfrentará uma longa jornada após ter sofrido por...