Três dias após o reencontro com o pais, Adelaide se reencontrava com o visconde. Após uma longa conversa com o pai de Adelaide, o visconde solicitou um instante para conversar com a jovem. Eles se encontraram na sala de música, onde Adelaide matava a saudade do piano e tentava se acalmar. Era a sua vida e a vida do seu filho que estavam em jogo e, mesmo assim, ela não tinha direito algum de opinar. Meses atrás, ela aceitaria a situação com facilidade, mas depois de ser abandonada sem direito de defesa, percebeu que preferia ser ouvida no que dizia respeito a sua vida.
- Você toca maravilhosamente bem. - O visconde murmurou, fazendo com que Adelaide se assustasse, interrompendo a música.
Ele ainda era o mesmo, é claro, mas parecia completamente diferente. O olhar era frio e o rosto uma perfeita máscara de indiferença.
- Estava com saudades do meu piano. - Adelaide respondeu com sinceridade.
- Pensei que o campo tivesse atividades suficientes para mantê-la entretida.
Ela quis revirar os olhos, mas achou que o gesto poderia ser interpretado como uma grosseria desnecessária. Bem, era uma grosseria, mas Adelaide tinha aprendido que era necessário mostrar quando concordava ou discordava de algo.
- Ir para o campo é uma coisa completamente diferente, senhor, pois na verdade fui praticamente exilada.
- Mas agora está de volta, afirmando que espera um filho meu.
Não havia qualquer emoção na voz do visconde. Ele apenas buscou uma forma de mostrar que não se importava, que o tempo de Adelaide na vida dele havia passado. A moça se sentiu ofendida, até mesmo humilhada, mas seu coração não doeu como tinha acontecido meses atrás ao ser abandonada por aquele mesmo homem.
- Afirmo por ser a verdade.
- Pois eu sugiro que guarde sua verdade para si mesma. - O visconde respirou fundo antes de voltar a falar em um tom menos ríspido. - Somos o passado um do outro, senhorita Adelaide. O melhor que pode fazer por si mesma e por essa criança é ficar em silêncio e aceitar todos os sacrifícios que os seus pais farão para protegê-la.
Sacrifícios? Tudo o que os pais de Adelaide fizeram por ela foi manter minimamente uma casa esquecida de tudo e todos. Sacrifício esse provavelmente para manter o nome da família.
- E o que o senhor fará? Afinal, o bebê também é seu. Não se importa? Não quer proteger essa criança, a mulher que está gerando seu filho e sua própria honra?
Os questionamentos surpreenderam o visconde. Ele riu, admirado com a audácia e encantado com aquela nova faceta da moça que ele até então desconhecia. Uma pena que ela já não o atraía mais.
- Adelaide, querida, um homem não precisa proteger a própria honra quando esta não está ameaçada. Uma dama esperando uma criança sem pai acontece todos os dias. Claro que irei prover para o bebê, caso seja meu, tudo o que ele precisar, mas não tenho mais envolvimento algum com você.
Adelaide se levantou, lívida.
- Como ousa dizer isso? Como não tem nenhum envolvimento comigo se estou esperando um filho seu?
Ele apenas deu de ombros antes de anunciar com uma postura que era o retrato da inocência para uns, mas para Adelaide era a personificação do cinismo:
- Pensei que não estivesse grávida e optei por seguir a minha vida. Ontem pela manhã pedi uma dama distinta e de comportamento irrepreensível em casamento. Gentil, educada e casta.
Adelaide sentiu náuseas pela primeira vez. Certamente era uma jovem inocente demais para perceber que seria apenas um adorno na casa do visconde enquanto este provavelmente frequentaria muitas camas. Ela temia isso para si mesma se por acaso ele aceitasse assumi-la para juntos criarem o bebê. Como uma recusa por parte dela seria algo impensável, o único caminho era aquele: o homem recusando a mulher perdida e escolhendo outra que ainda fizesse jus ao ideal de pureza. Para a dama caída, restariam o esquecimento e a vergonha.
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O refúgio de Ártemis (completo até 18/09/22)
Historical FictionAdelaide cometeu um único erro: amar a pessoa errada. Abandonada pelo homem com quem acreditava que um dia se casaria, sufocada pela família disposta a tudo para manter as aparências e impossibilitada de tomar suas próprias decisões, ela busca vinga...