A dupla deixou a sala em silêncio e encontraram Hades no corredor. O rapaz entregou um papel para Órion e, estranhamente, ofereceu o braço para Adelaide.
— A dama ficará hospedada nessa casa e eu irei levá-la até lá imediatamente.
O endereço era próximo, poucos metros, localizado na rua logo atrás do Recanto de Nice. Enquanto Órion guardava o papel no bolso, Adelaide aceitou o braço de Hades e foi guiada para uma direção diferente de onde ficavam as portas daquele lugar. Deixaram Órion para trás sem pronunciar nenhuma palavra.
Nos dois anos que vivia sob a proteção da condessa, tinha aprendido muito. Conhecia o Recanto de Nice como a palma da sua mão e tinha aprendido a administrar o Refúgio de Ártemis com uma eficiência que deixaria orgulhosa qualquer uma de suas tutoras. Porém, ela acabava de conhecer mais uma faceta do lugar: um túnel. Hades a guiou por uma porta escondida e seguiram pelo caminho subterrâneo escuro e apertado até chegarem a uma escada que levava a um alçapão. O rapaz pegou uma chave no bolso, colocou na fechadura, girou e logo a passagem se abriu, revelando o interior de uma casa simples.
Estavam em uma sala pequena, com poucos móveis. Todos os objetos demonstravam bons anos de uso, apesar de manterem certo ar de nobreza.
— Esses móveis são da casa de Nice? — Adelaide arriscou o palpite. Com tantos cobradores indo atrás do parco patrimônio do conde, seria fácil para Leonor retirar algumas coisas da casa sem maiores questionamentos. Seria apenas mais itens desaparecendo para pagar as dívidas.
Hades não respondeu. Apenas continuou a andar e Adelaide precisou correr para alcançá-lo. Mesmo sendo jovem ele possuía pernas longas e se movimentava com agilidade. Seguiram até o andar superior que nada mais era do que um grande vazio, com as paredes laterais e as colunas de sustentação do telhado, sem divisão de cômodos. O lugar já estava iluminado, revelando um único armário e duas esteiras de palha enroladas em um canto.
— Irei dormir aqui?
Hades caminhou até o armário e o abriu, revelando pedaços de madeira, correntes, cordas e alguns punhais. Ao invés das armas, ele pegou uma calça cinzenta larga e uma camisa preta e as entregou para Adelaide. Deixando o cômodo, sua voz fria chegou até ela.
— Vamos treinar. Deixe o vestido de princesa e coloque seu novo uniforme.
A porta foi fechada, para que ela tivesse privacidade, mas Adelaide ainda se sentia bastante chocada. Nunca vestiu calças na vida. Seu vestido era prático, mas foi um pouco difícil removê-lo sozinho. Ela tinha consciência de que Hades estava do lado de fora, contando o tempo com precisão, provavelmente impaciente. Ele não era o tipo de pessoa que apreciava interagir, então tinha certeza de que aqueles treinos seriam tão incômodos para ele quanto seriam estranhos para ela. Apesar de tudo, foi uma gentileza da parte de Leonor proporcionar isso, pois era certo que precisaria fazer algo perigoso até o fim daquela trama e Madame V era a única pessoa que deveria cair. Não ela, nem Órion ou Hades e muito menos Leonor.
Quando o rapaz entrou novamente no que ele chamaria de área de treino, Ártemis tinha se transformado em uma criatura desengonçada, sem saber ao certo se mover com as roupas masculinas. Ela tinha muito a aprender, Hades admitiu para si mesmo, entediado. Estava cansado de ser babá daquela mocinha rica. A condessa devia saber escolher melhor sua gente. Quem nascia em berço de ouro nunca seria capaz de compreender a luta pela sobrevivência, apenas a rinha egoísta de egos. Ele odiava isso.
— Precisa aprender a ser rápida. Precisa querer machucar alguém. Precisa esquecer o que é hesitar. — Hades comentou com a voz arrastada, parando de frente para ela. — Me dê um soco.
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O refúgio de Ártemis (completo até 18/09/22)
Historical FictionAdelaide cometeu um único erro: amar a pessoa errada. Abandonada pelo homem com quem acreditava que um dia se casaria, sufocada pela família disposta a tudo para manter as aparências e impossibilitada de tomar suas próprias decisões, ela busca vinga...