Capítulo 1 parte 2

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Por esse motivo, hoje, quando foi passear com a avó até à igreja que havia perto da casa dela, a Evie estava contente, pois a mãe não estava com elas. Eram as férias de Verão e a Evie e a mãe tinham ido passar a semana com a avó. Foram precisas três horas de carro para chegar ao local onde a avó morava, e a mãe já lhe tinha perguntado mais de uma vez se não gostava de ir morar mais perto delas, mas a avó recusara sempre. Ela era muito independente e, para uma velhinha, estava em muito boa forma, porque todos os dias fazia caminhadas no campo. Não queria deixar a sua casa e os amigos que moravam na mesma vila que ela.
Como não era domingo, a igreja estava fechada, mas a avó queria mostrar à Evie uma pedra tumular especial de que falava com frequência.
-Costumávamos chamar-lhe " senhora branca " - explicou ela, quando chegaram aos portões do cemitério. -Quando era pequena, costumava vir aqui com os meus amigos para olhar para ela.
A avó vivera ali a vida inteira e frequentara aquela igreja quando era nova. Agora havia casas à volta da igreja e, ali perto, um parque de estacionamento, mas a Evie sabia que, quando a avó era pequena, a única coisa que existia no meio dos campos era a igreja e era preciso atravessá-los a pé - a menos que se tivesse um cavalo.
A avó levou a Evie por um caminho que dava para as traseiras da igreja e para a parte mais antiga do cemitério, que estava menos bem cuidada e tinha erva muito alta à volta de algumas lápides.
-Aqui está ela! - disse a avó, apontando para uma estátua de mármore de um anjo, muito antiga e muito suja, que em tempos fora branca. Um dos braços tinha-se partido e a asa esquerda estava rachada. - Costumávamos vir admirá-lá todos os domingos depois da missa.
- É o túmulo de quem? - perguntou a Evie, tentando não mostrar que estava um pouco desiludida com o estado da estátua.
- De ninguém com quem a minha família tivesse dinheiro para conviver! - disse a avó, sorrindo. - O meu clã está na próxima fila. Vamos lá cumprimentá-los.
Passou por cima de umas urtigas para ir à campa dos avós e à de uma criança da família. Ao lado estavam as campas da mãe e do pai da avó e do irmão mais velho, que morrera na Segunda Guerra Mundial.
A avó tinha agora oitenta e dois anos, mas a Evie nunca a achou assim tão velha. A avó sempre dizia que não se importava de ser velha - desde que continuasse a sentir-se em forma para apanhar um autocarro quando quisesse. A mãe da Evie dizia que era melhor a avó ter cuidado com a maneira como atravessara a estrada para o apanhar, para não ser atropelada.
- Agora vamos ver a campa do avô? - perguntou a Evie, desejando ter trazido flores para a enfeitar.
O avô dela tinha morrido antes de ela nascer, mas ela achava que o conhecia por causa de tudo o que avó lhe contara sobre ele.
A campa do avô estava numa parte mais recente do cemitério, e quando lá chegaram, repararam que havia grinaldas de margaridas pousadas no topo de todas as pedras tubulares, como auréolas. As margaridas pareciam maiores e mais vivas do que era habitual.
- Quem é que as pôs ali? - quis saber a Evie, admirada.
- Parece-me que foram as fadas. - A avó deu uma risadinha. - Provavelmente, fizeram-no para animar um bocadinho o local. Mas não sei o que diria o teu avô se visse isto. Ele nunca acreditou nelas!
- Muita gente não acredita em fadas, pois não? - perguntou a Evie, enquanto olhava, pasmada, para as campas enfeitadas. - Como a minha mãe.
A avó suspirou.

- A tua mãe não acha conveniente acreditar em fadas, por isso, convenceu-se de que não acreditava, quando na verdade...
Calou-se, franzindo o sobrolho.
- Eu acredito em fadas - declarou a Evie muito depressa. - Embora nunca tenha visto uma a sério.
Lá porque ainda não viste, não quer dizer que isso nunca venha a acontecer - afirmou a avó. - Eu só vi a minha primeira fada quando tinha quarenta anos.
- Quarenta? - suspirou a Evie m
- É verdade. Acreditei nelas a minha vida inteira, vê bem. Mas nunca vi nenhuma até ao dia em que descobri que ia ter um bebé. Durante anos a fio, eu e o teu avô tentámos ter filhos, mas nunca tínhamos sido abençoados. E, então, quando já tinha perdido completamente a esperança, descobri que estava grávida. Acho que também tinha mais ou menos perdido a esperança de algum dia ver uma fada, mas nesse dia lembro-me de ter pensado que tudo era possível! E foi nesse momento que a vi. Foi neste cemitério. Chamava-se Campainha-de-Ouro. O cabelo dela era amarelo-vivo e estava vestida de amarelo exactamente como uma campainha-de-ouro! Ela fez-me uma pulseira de campainhas-de-ouro, que durou meses, até ao nascimento da tua mãe.
- Achas que há fadas a observar-nos neste momento? - perguntou a Evie, olhando em volta, não fosse aparecer alguma de repente.
- É bem provável que sim. Quem me dera saber onde levar-te para veres uma, Evie, mas não sei. As fadas não gostam de ser encontradas, percebes? Gostam de ser elas a encontrarem-nos. - Olhou para a cara de desilusão da Evie e pareceu ter se lembrado de uma coisa. - Há um truque que podes usar para tentar fazer com que elas venham visitar-te. A tua mãe fez-me prometer que não te dizia, mas eu não vejo onde está o mal...
- Baixou o tom de voz, como se pensasse que uma fada pudesse estar à escuta. - Chocolate! Todas as fadas o adoram! As que há por aqui parecem apreciar, especialmente os bombons de violeta.
- Daqueles que a mãe te dá sempre no Natal? - perguntou Evie, surpreendida.
Todos os anos a mãe ia a Londres, pouco antes do Natal, e comprava uma grande caixa de bombons de violeta e de bombons rosa, para avó, numa loja muito cara. A mãe da Evie chamava-lhe os chocolates das velhinhas. Dizia que eram muito doces e muito aromáticos para o seu gosto, mas que a avó sempre gostara muito deles.
- É isso mesmo. Eu guardo sempre os de violeta para as fadas. Deixo-os no peitoril da janela à noite e de manhã já lá não estão.
A Evie teve medo de pensar no que a mãe diria se ouvisse isto. Aqueles chocolates custam uma fortuna. A Evie voltou-se para ver novamente a grinalda de margaridas atada à campa do seu avô com um laço. Parecia cintilar.

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