Prólogo

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— Quando a tirei daquele lugar eu sabia exatamente o que estava fazendo e o que devia fazer. Entretanto, Natasha não era apenas uma menina triste em luto. Não havia nada mais nela, um resquício de um ser humano. Tudo o que vejo, tudo que estou presenciando... É uma casca oca, seu interior foi destruído, transformado em pó.

 O breve silêncio na sala trouxe os sons da chuva do lado de fora, nem mesmo ao telefone se ouviu barulho.

— Ela perdeu a essência, a humanidade, sua mente é selvagem e doentia. O sangue nas mãos dela tem mais peso do que as várias vidas que eu mesmo tirei ao longo dos anos. Você a trancafiou dentro de um sanatório despreparado, de forma erronia e cruel, abandonou essa que tanto chama de "afilhada", "sobrinha". Eu sou cruel, não nego, não sou sentimental, muito menos caridoso, mas isso... O que estou vendo aqui... Nunca fiz com ninguém.

 Caleb caminhou pela sala, olhando na escuridão, a única luz acesa era do abajur na mesa de centro.

— Afogada em depressão, dor, remédios... Sabe qual é minha visão todos os dias? Um vegetal deitado na cama que as vezes chora, e qualquer oportunidade de voltar a realidade... Se dopa. Está afundada em remédios pois não consegue mais colocar os pés no chão, olhar no espelho é o terror dela. Consegue entender isso?

  Respirou fundo, balançou a cabeça.

— Eu nunca vi algo assim, e acredite, já vi atrocidades. Mas, isso... Não. Então, entenda Amália, você não terá sua sobrinha de volta, porque ela não existe, está destruída e quase morta. O que vou fazer é tentar recuperá-la, farei o meu melhor, só que... Não quer dizer que a verá novamente. Não se ela não quiser.

 Desligou o celular, jogou sobre o sofá seguindo a caminho do quarto, tudo estava silencioso demais e já ficaria preocupado. Encontrou os cães deitados ao lado da cama, sua primeira olhada analisou se respirava e pelo breve movimento das cobertas, sim, estava bem.

 Se aproximou, sentou-se no colchão, pousou a mão sobre a testa dela, sentindo a pele febril.

— Isso é a falta dos remédios, infelizmente não posso te dar nada, terá que esperar passar naturalmente. – suspirou. — Não sou tão psicopata assim, me entristece vê-la sofrendo dessa maneira.

 Ajeitou as cobertas, pegou a garrafa de água vazia para enchê-la novamente.

 O inverno se aproximava, Caleb encarou a escuridão da floresta, a chuva continuava forte. Faz três meses que saíram do Canada, estão morando em uma cidadezinha longínqua em sua terra natal, Dinamarca. Na verdade, a cidade fica pelo menos 20 minutos de carro, a casa, quase uma cabana ficava bem escondida na floresta. Era necessário, esse distanciamento, a paz, ele não podia deixá-la perto de pessoas que possam influenciá-la. Sem mencionar o descontrole e vicio em remédios.

 De alguma maneira Natasha ainda consegue encontrar aqueles malditos medicamentos de tarja preta. E Caleb precisava de tempo para encontrar o filho da puta que fornecia aquela droga. Mas, não pode descuidar, um momento que a deixa sozinha pode ser terrível.

  Não mentiu ao dizer para Amália que sabia onde estava pisando. Ao tirar Natasha daquele hospício, entendia que teria um trabalho mais difícil que treinar idiotas. Uma pessoa naquele estado era uma verdadeira bomba relógio, é impossível saber o que fará em seguida. Se ficara mais drogada, se tentará se matar, fugir... Ele se perguntou diversas vezes.

  Por que estava fazendo isso? Por que não a deixar na mão da tia?

 Bom, talvez pelo mesmo motivo de ter mandado o pai dela de volta a Rússia, pagou todos seus tratamentos até uma nova casa para morar.

 Quis fazer.

 A única coisa que ainda não compreende é o motivo pelo qual sente-se tão "obrigado" a cuidar dela, e não tinha nada a ver com sua promessa a Derek.

 Caleb depois de algum tempo notou algo diferente naquela menina, além de seus medos, transtornos e traumas. Algo em Natasha lembrava a si mesmo... Uma parte dele a muito tempo esquecida, abandonada para nunca mais retornar, mas, diante a atual situação. Não conseguiu ignorar.

 Assim como Natasha está lidando com os próprios demônios e traumas, Caleb parece reviver os dele. De volta a Dinamarca, ele se vê agora no lugar do próprio irmão mais velho... Soren.

 Ele ficou na varanda, o cigarro aceso entre os dedos, encarava a escuridão. Não é um treinamento, é uma tentativa de reconstruir algo despedaçado e praticamente perdido. E não sabe se conseguirá, afinal de contas, Caleb está longe de ser o melhor ser humano. E isso começa a fazê-lo criar dúvidas.

 E isso começa a fazê-lo criar dúvidas

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"Respice post te. Hominem te esse memento. Memento Mori."

 Disse ao vento e fechou os olhos.

"Olhe ao seu redor. Não esqueça de que você é apenas um homem.
Lembre-se de que um dia você irá morrer."

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