Cada vez que se aproximava, chamava mais ainda a atenção do príncipe, que tentava limitar seus gemidos, não queria transparecer fraqueza diante de um servo tão indigno, ele pensava. Os ferimentos eram terríveis, só de pensar que teria que colocar a mão em cima da pele rasgada sabe-se-lá pelo que, já lhe dava ânsia. Tinha um corte no pé da barriga, este era bem feio, deixaria uma cicatriz, ele pensou. Havia um bem no início da coxa, embora mais superficial, não menos sangrento. Tornou a encarar a feição contida de alguém que queria gritar até que a dor cessasse. O que ele faria agora? Não sabia cuidar de ferimentos nesse nível ou pelo menos não se lembrava. Passeou pelas lembranças da semana inteira que passou buscando informações somente para tradução de um texto idiota, que não tinha obtido sucesso. Mas agora estava cara a cara à um caso real, onde precisaria usar suas habilidades, por que era tão difícil?
— Vai ficar só olhando? – Perguntou o príncipe, impaciente, mas também demonstrando pontadas de dor angustiantes. Balançou a cabeça levemente e chegou o mais próximo possível dele. Estava sujo, tinha acabado de voltar da caçada, deduziu.
— Vou aliviar a dor – Disse baixinho, atraindo a atenção do príncipe. Já tinha feito isso antes, com o seu pai. Sabia que não conseguiria esconder sua total inexperiência com suas habilidades.
Não queria por a mão em cima dos ferimentos, mas esse era o jeito mais rápido. O príncipe mordeu os lábios quando sentiu o toque do garoto pousar sobre as aberturas na sua pele, um grito interno fora ouvido, mas não durou muito, bastou que Azak se concentrasse para que a dor fosse aos poucos diminuindo de intensidade. Procurando um lugar para olhar enquanto a dor aliviava, o príncipe se concentrou nos atos de Azak, subindo a atenção entre as mãos e o rosto de seu servo. Conforme a dor diminuía, o toque leve de Azak se tornava mais confortável. Se entreolham uma última vez, até que Azak retira as mãos ao mesmo tempo.
— Alteza, precisamos costurar – Sugeriu. – Posso cicatrizar pro senhor em três dias – Três dias? O que ele estava dizendo? Jamais havia realizado algo do tipo antes, com quem tinha dominado a arte de mentir tão bem assim?
— Não vai ficar muito bonito, não é? – Disse descontraído, como se esquecesse que era Azak ali.
— Posso perguntar o que aconteceu? – Já imaginava ele descrevendo um ataque de animal, mas só recebeu silêncio como resposta. Não, ele não podia perguntar. Se sentiu envergonhado por ser tolo o suficiente pra achar que ele responderia, e raiva por ser ignorado.
— Falta de atenção – Fora surpreendido quando virou de costas, indo de encontro a bacia com um pano na beirada, supôs corretamente que eram para lavar o ferimento. — Caí de mau jeito em um lugar cheio de galhos secos, durante a caçada à um cervo.
Azak não perguntou mais nada, somente esticou os braços e começou a limpar os ferimentos já estancados, primeiro o do pé da barriga, bem devagar, o alívio que ele tinha concedido era passageiro, como antes, por isso teria de curar o mais rápido possível, quando a dor era mais suportável, mesmo assim ainda sentia um pequeno desconforto quando as mãos leves de Azak lavavam os ferimentos.
— Três dias, você disse? – Quis saber. Os batimentos de Azak aceleraram, já tinha prometido, não havia o que voltar atrás.
— Sim, senhor – Usou o máximo de convicção, e foi o suficiente. Logo Azak desceu as mãos para o ferimento do início da coxa. Com esse ele foi mais delicado, pois era uma região mais sensível. Seu toque macio agora passava despercebido, e o príncipe havia mudado o foco de seu olhar. Levou em torno de cinco minutos para concluir a limpeza, certamente precisava de algo mais além de água, mas não havia nada ao seu alcance por hora, mesmo que houvesse, nem ele saberia preparar.
— Sugiro que chame alguém para costurar imediatamente ou pode enfaixar se quiser, só não durma com eles expostos-
— Você não vai costurar?
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Crônicas Tempestuosas
FantasyArrastado pelos confins do continente para servir. Azak, o último da linhagem de um já esquecido clã, agora era obrigado a exercer os dons que um dia abandonara, apenas para sobreviver. Fantasia/Romance [+18]