Prólogo

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Um informação importante antes de vocês começarem a ler: Recanto do Sossego é uma cidade fictícia ❤

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Heloísa

Sete semanas antes...


Esta noite vou viver uma grande aventura. Vou romper os grilhões aos quais estou acorrentada desde que minha mãe faleceu, um ano e onze meses atrás.

Contemplo-me por inteira no espelho do meu guarda-roupa. Estou usando o vestido verde folha, que combina com meus olhos. O favorito de mamãe. Eu o usei no meu aniversário de vinte anos, dias antes da mulher que me amou incondicionalmente perder a batalha contra o câncer de mama.

— Farei isso por nós duas, mãe — falo para o meu reflexo; e enxergo no meu rosto redondo, com maçãs altas, nariz arrebitado e queixo pequeno, a minha mãe. Sou a Eulália Camargo mais jovem. É por isso que ele me odeia. — Não aguento mais ficar trancada aqui dentro, como uma prisioneira, e ser tratada igual a um burro de carga. Eu preciso ter minha vida de volta. Preciso me divertir, fazer amigos... conhecer um cara legal. Estou prestes a completar vinte e dois anos!

Escovo meus longos cabelos pretos lisos. Eles também são idênticos aos que possuíam minha mãe. A mesma textura, cor, comprimento. E eu jurei que vou mantê-los para sempre assim: alcançando o meio das minhas costas. É meu jeito de não apagar jamais a memória da minha pessoa preferida no mundo. A pessoa que se foi precocemente e me abandonou nas mãos de um carrasco: meu padrasto.

— Essa pode ser minha única chance de burlar esse cárcere e viver algo grandioso... ou pelo menos, me sentir um pouco livre — volto a conversar com meu reflexo. — Por uma noite vou escapar do domínio de Arcanjo Villares, o diabo com nome de anjo, e serei feliz como não me sinto desde sua morte, mãe. Queria tanto fugir dessa fazenda, fugir da cidade de Recanto do Sossego, recomeçar longe daqui, exercer minha profissão de Técnica em Enfermagem... mas não posso. Não posso abandonar a vovó nas mãos desse crápula. E ela está bastante debilitada pra me acompanhar. Uma coisa é ter uma aventura sozinha, como terei hoje. Outra é levar a vó Carlota na aventura de uma vida! Ela vive recolhida na fazenda desde que se mudou com a gente pra cá. E mesmo que fosse seguro tirá-la desse lugar, como nós duas nos sustentaríamos até eu arrumar um emprego?

Afasto-me do espelho. Não vou me contagiar pela melancolia, angústia, desesperança. Vou fazer jus ao apelido que minha mãe me deu quando eu era apenas uma menininha sorridente e muito efusiva: Solzinho. "Você brilha como o Sol. Aonde você chega tudo se ilumina, minha Solzinho".

Pego a cópia da chave do portão da fazenda na gaveta das minhas roupas íntimas. Ultrapasso a soleira da porta do meu quarto, respirando rápido, pensando que entrar na suíte do Arcanjo, depois de ter conseguido destravar a fechadura com um grampo, e surrupiar a tal chave — que levei um tempão procurando —, foi a coisa mais arriscada que já fiz.

Não tema, Heloísa. Arcanjo não está na fazenda. Ele e o lambe-botas do Marcelo estão na cidade vizinha vendendo a produção semanal de leite e só voltarão amanhã.

Repito essas palavras como um mantra, enfiando a chave no bolsinho lateral do meu vestido. Meu padrasto nunca me bateu e, antes da morte de mamãe, até que me tratava bem, embora morresse de ciúme da atenção que minha mãe me dava. A mudança radical em sua personalidade aconteceu quando ele descobriu, um dia após a morte da esposa, com quem se casou no mês que fiz quinze anos, que a mulher pela qual era obcecado entrara em contato secretamente com um advogado, pois pretendia se divorciar e voltar para nossa cidade natal: São Paulo.

Quando o amor chegou [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora