Capítulo 4

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Domenico

Empurro meu notebook e apoio os cotovelos na mesa, esfregando o rosto. São nove horas da noite e eu não deveria estar trabalhando na mesa diminuta da cozinha do meu apartamento.

Deveria ter topado o convite de Laís e ido com ela ao barzinho do mezanino do prédio onde temos nosso escritório.

Não, essa também não era uma boa ideia. Minha sócia poderia acreditar que vamos retomar a dinâmica antiga de nossa relação: nos entupir de cerveja, após o trabalho, e transarmos na minha cama.

Álcool + sexo. Cortei essa combinação definitivamente da minha vida.

Saio da cadeira e fecho a janela. O ronco de motores e as frenéticas buzinas estão dizimando minha concentração.

Porra, de onde tirei a ideia imbecil de comprar um apartamento na esquina da Avenida Paulista com a Rua Peixoto Gomide?

Ele se localiza a duzentos metros do escritório e posso ir a pé até o trabalho. Essa é toda a explicação de que preciso.

A verdade é que esse apartamento studio, de um dormitório, sem divisórias, do tamanho de um ovo, não era meu. Pertencia ao meu pai, mas, pouco antes de sua morte, ele passou para o meu nome; e deu a Bárbara um studio semelhante no Itaim Bibi. Essas transações foram feitas depois de vendermos o apartamento de 120 m², onde nós três moramos juntos desde que saímos da mansão de cinco suítes em Moema — o imóvel que dividíamos com minha mãe e onde desempenhávamos o papel fictício de família feliz.

Fricciono minha testa com o polegar. Que caralho! Meus pensamentos giram de um lado a outro e dão um jeito de acessarem as memórias de uma época que ofereceria minha Kawasaki Ninja, meu xodó, para esquecer.

Meu celular toca sobre a mesa. Penso na possibilidade de ser minha irmã (ela deve estar se sentindo tão fodidamente caustrofóbica quanto eu em seu apartamento, que possui a mesma metragem que o meu: míseros 36 m²). Mas não é seu número que está aparecendo na tela. Não tenho ideia de quem está me ligando. E detesto isso. Detesto agir no improviso. Não sou um cara espontâneo, admito. Foram anos e anos calculando quais emoções eu poderia manifestar ou deveria esconder para não demonstrar fraqueza, depois do divórcio dos meus pais.

Clico no ícone e atendo a ligação, colocando o aparelho contra o ouvido.

Alô.

— Domenico?

— Quem está falando? — indago, ríspido. A voz do outro lado é chorosa. Se for algum golpe...

Não sei se... você vai se lembrar de mim. Faz pouco tempo, mas... acho que só fui mais uma e...

— Heloísa — pronuncio seu nome como uma maldição... e uma prece.

Agora reconheço sua voz. Mas não esperava mais que ela fosse me ligar... embora... porra... no íntimo, eu desejasse ouvir outra vez sua voz angelical.

Que bom que você se lembra... e... eu...bem...

— Por que você está chorando? — corto-a, nervoso. Meu coração troveja, estremecendo meu peito. Caralho, essa mulher continua tendo um impacto estratosférico sobre mim!

Não queria te falar isso por telefone. Mas... é que... eu estou grávida e... nós vamos ser pais.

Paro de andar de um lado para o outro e caio sentado na minha cama. A possibilidade de ter um infarto é tão real que meu braço esquerdo começa a formigar. Sob o efeito do choque, vocifero, bagunçando meus cabelos com a mão livre:

Quando o amor chegou [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora