Domenico
Empurro meu notebook e apoio os cotovelos na mesa, esfregando o rosto. São nove horas da noite e eu não deveria estar trabalhando na mesa diminuta da cozinha do meu apartamento.
Deveria ter topado o convite de Laís e ido com ela ao barzinho do mezanino do prédio onde temos nosso escritório.
Não, essa também não era uma boa ideia. Minha sócia poderia acreditar que vamos retomar a dinâmica antiga de nossa relação: nos entupir de cerveja, após o trabalho, e transarmos na minha cama.
Álcool + sexo. Cortei essa combinação definitivamente da minha vida.
Saio da cadeira e fecho a janela. O ronco de motores e as frenéticas buzinas estão dizimando minha concentração.
Porra, de onde tirei a ideia imbecil de comprar um apartamento na esquina da Avenida Paulista com a Rua Peixoto Gomide?
Ele se localiza a duzentos metros do escritório e posso ir a pé até o trabalho. Essa é toda a explicação de que preciso.
A verdade é que esse apartamento studio, de um dormitório, sem divisórias, do tamanho de um ovo, não era meu. Pertencia ao meu pai, mas, pouco antes de sua morte, ele passou para o meu nome; e deu a Bárbara um studio semelhante no Itaim Bibi. Essas transações foram feitas depois de vendermos o apartamento de 120 m², onde nós três moramos juntos desde que saímos da mansão de cinco suítes em Moema — o imóvel que dividíamos com minha mãe e onde desempenhávamos o papel fictício de família feliz.
Fricciono minha testa com o polegar. Que caralho! Meus pensamentos giram de um lado a outro e dão um jeito de acessarem as memórias de uma época que ofereceria minha Kawasaki Ninja, meu xodó, para esquecer.
Meu celular toca sobre a mesa. Penso na possibilidade de ser minha irmã (ela deve estar se sentindo tão fodidamente caustrofóbica quanto eu em seu apartamento, que possui a mesma metragem que o meu: míseros 36 m²). Mas não é seu número que está aparecendo na tela. Não tenho ideia de quem está me ligando. E detesto isso. Detesto agir no improviso. Não sou um cara espontâneo, admito. Foram anos e anos calculando quais emoções eu poderia manifestar ou deveria esconder para não demonstrar fraqueza, depois do divórcio dos meus pais.
Clico no ícone e atendo a ligação, colocando o aparelho contra o ouvido.
— Alô.
— Domenico?
— Quem está falando? — indago, ríspido. A voz do outro lado é chorosa. Se for algum golpe...
— Não sei se... você vai se lembrar de mim. Faz pouco tempo, mas... acho que só fui mais uma e...
— Heloísa — pronuncio seu nome como uma maldição... e uma prece.
Agora reconheço sua voz. Mas não esperava mais que ela fosse me ligar... embora... porra... no íntimo, eu desejasse ouvir outra vez sua voz angelical.
— Que bom que você se lembra... e... eu...bem...
— Por que você está chorando? — corto-a, nervoso. Meu coração troveja, estremecendo meu peito. Caralho, essa mulher continua tendo um impacto estratosférico sobre mim!
— Não queria te falar isso por telefone. Mas... é que... eu estou grávida e... nós vamos ser pais.
Paro de andar de um lado para o outro e caio sentado na minha cama. A possibilidade de ter um infarto é tão real que meu braço esquerdo começa a formigar. Sob o efeito do choque, vocifero, bagunçando meus cabelos com a mão livre:
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Quando o amor chegou [DEGUSTAÇÃO]
RomansaEla é luz. Ele está perdido na escuridão. Prestes a completar 36 anos, Domenico Vieira Souto construiu uma carreira sólida na advocacia, comandando, ao lado da irmã, um escritório especializado em direito empresarial, na Avenida Paulista. Carregando...