Capítulo 5

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Foi com as lembranças despertadas na sexta à noite em mente, seus próprios momentos felizes, que, na aula de segunda-feira, Beatriz lançou seu primeiro feitiço de luz bem-sucedido: uma leoa branca, que saltou da ponta de sua varinha e correu ao redor da sala por alguns segundos rugindo alto e emanando calor junto com um brilho dourado do corpo. Uma sensação de segurança tomou conta de todos, enquanto irrompiam em palmas juntamente com o professor, que a parabenizou com tremenda euforia.

— Uma leoa mwangaza, senhorita Beatriz! Quem poderia imaginar? Um animal raro, de fato, que transmite coragem e proteção. Muito bem, executou o feitiço perfeitamente, estou orgulhoso.

Ao fim da aula, saiu correndo de braços abertos pelo pátio da escola, em direção a Gabriel e Taís, que estavam sentados lado a lado em cima da mesa, com os corpos jogados para trás apoiados nas mãos enquanto aproveitavam o sol da manhã.

— Gente, gente, eu consegui!

Taís foi a primeira a se levantar e receber Beatriz num abraço apertado, seguida de Gabriel, que envolveu as outras duas com os braços compridos.

— O que estamos comemorando mesmo? — disse ao soltar as meninas.

— Ela conseguiu lançar o mwanga, bocó! — respondeu Taís, ainda abraçada em Bia.

— Aí, que maravilha! Parabéns, amiga —  comemorou batendo palmas e dando pulinhos de forma animada.

— Obrigada, gente, eu estou tão feliz!

—Vai contar para nós qual lembrança usou? — falou Gabriel erguendo e abaixando sugestivamente as sobrancelhas para Beatriz.

— Nenhuma com a Laís, se é isso que você quer saber.

— Ouvi meu nome?

As meninas soltaram o abraço virando para trás e logo enxergaram uma Laís sorridente caminhar em direção ao grupo. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo volumoso no alto da cabeça, e a pesada capa do uniforme esvoaçava ao seu redor; as botas sujas de lama, juntamente com a vassoura em mãos, sugeriam que acabara de sair do treino de voo.

— E então, como foi? — disse ao se aproximar.

— Tudo certo, funcionou perfeitamente. E, de novo, muito obrigada mesmo pela ajuda, nem sei como te agradecer direito, tem alguma coisa que eu possa fazer pra te pagar o favor? — respondeu, com um sorriso enorme nos lábios.

— Que isso, não precisa agradecer. — Um leve rubor cobriu as bochechas dela, "provavelmente por conta do esforço do treino", pensou a outra garota. — Mas queria mesmo falar sobre uma coisa com você.

Beatriz olhou sugestiva para os amigos, e logo recebeu um olhar animado em resposta.

— Eu e a Taís já estávamos indo, a gente tem que ir na biblioteca, não é, amiga? —  Gabriel olhou para a outra sem disfarçar o que estava fazendo.

— Ah! Claro, biblioteca, isso, temos que ir — confirmou Taís enroscando o braço ao dele e puxando o menino para longe, enquanto piscava descaradamente para a amiga no processo.

Assim que estavam distantes, Laís riu e balançou a cabeça em negação.

— Seus amigos parecem bem legais.

— É, eles são mesmo — respondeu ao olhar com carinho para a dupla que adentrava no grandioso prédio de estruturas centenárias onde estudavam.

— Eu gostei muito de sair com você — disse Laís, de repente, meio apressada.

— Também gostei. — As bochechas de Bia queimaram ao retornar o olhar para a garota ao seu lado e flagrá-la a encarando.

— Podíamos fazer isso de novo, sair juntas, sabe, mesmo sem ser pra estudar depois.

— Eu gostaria muito, na verdade — confessou, com um sorriso enorme que não conseguiu conter. — Eu me diverti muito, e preciso te contar sobre o último episódio daquela série que te falei.

— Continue assim e talvez me convença a assistir. — Riu sentindo o coração mais leve diante da resposta de Beatriz.


Durante as semanas seguintes, a convite de Gabriel, Laís almoçou todos os dias com o trio. No fim, o rapaz tinha razão, ela gostaria, sim, de fazer parte do grupo deles.

O período de provas e entregas de trabalhos chegou e passou como sempre: intenso e estressante. Mas, dessa vez, a presença de Laís fez com que todos se esforçassem e estudassem um pouco mais. Ela os ajudava e incentivava, assim como fez com Beatriz, e isso lhe garantiu uma vaga permanente não só na mesa do almoço, mas nos passeios ao shopping também. Em contrapartida, os dias passaram e ficou cada vez mais difícil para as duas arranjarem um momento para conversarem sozinhas, até, finalmente, marcarem a próxima saída.

Foi apenas no primeiro dia das férias de verão que conseguiram despistar Gabriel e Taís, e saíram só as duas. Era divertido estar com eles, mas queriam conversar sobre os filmes, séries e livros que só elas gostavam, além de também rirem dos amigos e lamentarem o mau gosto cultural que tinham.

Passearam pela cidade durante toda a tarde e, próximo ao pôr do sol, sentaram-se juntas em um banquinho do pequeno parque localizado atrás da casa de Laís. Não era época da florada dos Flamboyants, mas Beatriz não se importou, pois sabia que encontrara alguém que faria seu coração disparar em qualquer estação.

— Bia — chamou ao colocar um cacho rebelde atrás da orelha ─, o Gabriel e a Taís não vão ficar chateados por termos saído sem eles, né?

— Claro que não! — respondeu com uma risada — Eles saem sempre só os dois, e vivem falando de nós pelas costas.

A morena não segurou o riso e aproximou-se um pouco mais, o que fez as pernas se tocarem, e uma sensação gostosa e familiar percorreu o corpo de ambas.

— Ah, é? O que eles falam? — disse, ainda rindo, ao cravar profundamente seu olhar em Bia.

— Ah... sabe, coisas bobas, não liga pra isso — respondeu sentindo o nervosismo aumentar com a proximidade e a intensidade dos olhos de Laís sobre si.

— Ah, sim. 

Foi impossível disfarçar a decepção. Esperava que Bia lhe desse alguma brecha para se declarar, era algo que pretendia fazer já há algum tempo.

— Acho que preciso ir agora — comentou, mas sem fazer menção de se levantar.

Ela queria tanto uma oportunidade para ficar a sós com a Bia.

Admirava a garota sempre que a via na escola, gostava de como era dedicada e de como parecia feliz rindo com Gabriel e Taís. Quando percebeu que talvez pudessem se aproximar, não pensou duas vezes, pretendia ser sua amiga, o que foi natural acontecer. Mas, desde que se propôs a ajudá-la, sentiu algo novo dentro de si, uma necessidade de ficar perto, contar como foi o dia e de compartilhar os surtos sobre os livros, filmes e séries que tanto amavam. Conforme as semanas passavam, Laís acompanhou seu coração bater mais forte a cada vez que Bia sorria, e sabia que não conseguiria ser apenas mais uma amiga por muito tempo.

— Fica mais — Beatriz se ouviu dizer e, de forma quase impulsiva, segurou a mão de Laís.

Gostaria que, com aquele gesto, ela entendesse tudo que se passava em seu coração.
Nenhuma delas queria realmente sair daquele banco. Tinham tanto a dizer, mas parecia que apenas palavras não seriam suficientes. O ar no pequeno espaço que existia entre elas começou a parecer escasso, e tudo ao redor perdeu a importância. Os olhares não se desgrudavam mais, e era quase impossível resistir à aproximação iminente de seus corpos. Já haviam beijado outras pessoas antes, não era nenhuma novidade, mas, quando as respirações se misturaram e os olhos, enfim, fecharam, podiam jurar que as batidas rápidas de seus corações se tornaram ensurdecedoras. Ambas ansiavam tanto por aquele momento que o tempo praticamente parou.
O primeiro chocar de lábios foi suave e acompanhado de sorrisos gêmeos. Beatriz teve certeza de que morreu e foi para o céu quando Laís aprofundou o beijo, enquanto segurava sua cintura com firmeza. Foi fácil encontrar um ritmo.

Quando se afastaram minimamente, com as testas apoiadas uma na outra, não pararam de sorrir e, em seguida, se abraçaram forte, pois sabiam que acabaram de criar uma lembrança digna de produzir um poderoso mwanga.

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