Capítulo 3

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Na sexta, às 18:00 horas em ponto, a campainha da casa de Laís tocou, e, do lado de fora, uma Beatriz extremamente nervosa aguardava a porta ser aberta.

— Oi. — Estava sorridente ao atender. — Como você é pontual! Já escolheu aonde vamos?

— Si...sim — disse Beatriz, que desaprendera a falar por alguns instantes diante da linda moça de cabelos pretos volumosos e extremamente cacheados, compridos até a cintura.

Forçando-se a respirar fundo e controlar seu coração palpitante, agradeceu mentalmente aos amigos por não a deixarem usar o moletom super velho, e igualmente confortável, que em nada combinaria com a túnica de fundo verde escuro da outra menina, bordada com as mais diversas flores coloridas, em contraste perfeito com a pele negra de Laís.

— Então vamos, tô morrendo de fome — manifestou, animada, dando alguns passos à frente e fechando a porta atrás de si. — Como você está? — Ela ficou ao lado de Bia para acompanhá-la.

— Estou bem, e você? — Indicou a vassoura que as aguardava na calçada e entregou-lhe um capacete reserva.

— Melhor agora — respondeu enquanto se acomodava atrás de Bia, já montada na vassoura, e se apoiou em seu ombro.

— Segura firme — orientou, apenas para sentir os braços da outra escorregarem para frente e abraçarem completamente seu corpo.

A sensação quente e aconchegante fez um sorriso involuntário surgir no rosto de ambas ao perceberem como se encaixaram perfeitamente uma na outra.

Com um impulso, a vassoura levantou voo e as duas jovens atravessaram as nuvens, enquanto o céu alaranjado do fim de tarde desenhava suas silhuetas. Em poucos minutos, aterrissaram em frente a uma pequena porta, quase escondida entre os prédios altos e antigos daquela parte da cidade.

— Que lugar é esse? — falou Laís enquanto tirava o capacete e arrumava os cabelos bagunçados pelo vento.

— Você vai ver. — Respondeu Beatriz, conduzindo-a para dentro.

A lanchonete revelou-se após um hall com tijolos à vista, que ambas atravessaram, onde plantas cresciam pelas paredes e subiam enroladas em um pergolado de madeira tratada. As garotas deixaram os capacetes na recepção, escolheram uma mesa ao fundo, afastada dos outros fregueses, e, em pouco tempo, uma garçonete sorridente aproximou-se para atendê-las.

— Boa noite, bem-vindas à Taciturna. Já sabem o que vão querer?



Enquanto aguardavam os lanches ficarem prontos, admiraram a beleza do lugar iluminado por uma coleção de pequenas lâmpadas amarelas, que desciam do teto em forma de cascata. Música lenta tocava baixinho e embalava os casais das outras mesas, ao mesmo tempo em que Beatriz tentava, inutilmente, convencer a si mesma de que trazer Laís naquele lugar não significava nada além de duas colegas comendo juntas antes de estudarem. E, junto a tudo isso, ela podia ouvir a risada de Gabriel ecoar no fundo de sua mente.

Suas pernas estavam inquietas, as mãos suavam, e a tensão em seus ombros começava a fazer as costas doerem e nenhuma posição parecia confortável, mas Laís continuou alheia a isso. Apreciava o ambiente com os olhos brilhando, encantada e curiosa, mais parecia uma criança.

— Nossa, Bia, esse lugar é lindo demais! — sussurrou ao inclinar o corpo para chegar mais perto.

— Nem sabia que tinha algo assim aqui na cidade.

— É novo. —  Torceu para que seu nervosismo não transparecesse. — Ouvi uma amiga da minha mãe comentando daqui e achei que seria legal.

— Obrigada por me trazer — disse, com um sorriso, e alcançou as mãos gélidas que estavam sobre a mesa entre elas.

O calor do toque logo se espalhou pela pele de Bia, o que trouxe uma calmaria que a fez  relaxar, e a tensão deixou seu corpo pouco a pouco. Foi difícil saber se esse era realmente o efeito que Laís causava nas pessoas, ou algum tipo de feitiço.

Quando os lanches chegaram, foi impossível desviar o olhar, ou até mesmo ignorar a batida que seu coração errou ao ver Laís soltar suas mãos para fazer um coque bagunçado no alto da cabeça, o que deixou o pescoço cheio de pintinhas, que desciam pelo colo, livre para ser admirado. Uma vontade absurda de beijar aquele espaço entre o maxilar e o lóbulo da orelha dela, segurar os cachos de sua nuca e puxar com força para sentir a maciez dos fios ao redor dos dedos; tomou conta de Bia.

— Ei — sorrindo, Laís movimentou os dedos na frente do rosto da garota —, você não vai comer?

— Oi. — Teve que piscar algumas vezes para sair do transe em que se encontrava, e então, desviou o olhar para as batatas fritas.

Definitivamente não era apenas um jantar antes de estudar. Pelo menos, não para ela.
A risada de Laís soou divertida ao ver Beatriz perdida em pensamentos. Ainda sorrindo, pegou uma das batatas, mergulhou no molho e levou à boca, enquanto era seguida pelo olhar atento da garota, que acompanhava cada movimento. Bia engoliu em seco antes de pegar o próprio lanche e começar a comer.

No começo, não tinham muito sobre o que conversar além das aulas. Era a primeira vez que se encontravam fora da escola, e Bia não estava acostumada a puxar assunto, afinal, nunca foi preciso, já que Gabriel e Taís não ficavam quietos um único segundo, sempre com alguma fofoca quentíssima para contar. Entretanto, logo descobriu que Laís era extremamente capaz de conduzir e manter uma conversa confortável entre elas, e começou a contar fatos aleatórios sobre sua vida, enquanto instigava a outra a fazer o mesmo.

E nisso, descobriram, para surpresa das duas, que tinham mais em comum do que poderiam imaginar. Ambas amavam assistir filmes e séries sobre viagens no tempo, e também gostavam muito de ler, sejam os clássicos livros de grandes e renomados escritores; sejam fanfics sobre os casais mais improváveis das diversas obras da literatura ou dramaturgia. 

Inclusive, boa parte do jantar foi gasta falando dessas improbabilidades.

— Você não pode querer que eu continue sendo sua amiga depois de me dizer que apoia esses dois — comentou Laís, em certo momento, depois de Bia revelar que apoiava um dos casais mais sem nexo do meio literário, pelo menos na visão da maioria dos fãs.

Ela não conseguia parar de rir com a tamanha revolta demostrada por Laís. Sua barriga estava doendo e as vistas lacrimejando.

— Eu não julguei seu gosto duvidoso para filmes de comédia pastelão — defendeu-se enquanto secava as lágrimas no canto dos olhos.

— Não ouse usar meu segredo mais profundo contra mim! Eu confiei em você! — rebateu Laís, que acompanhou o riso da outra.

Ao saírem do estabelecimento, o nervosismo inicial parecia completamente dissipado. Se divertira mais do que esperava, e não queria que a noite acabasse. Porém, Bia sentiu as pernas bambearem quando Laís, de forma espontânea, voltou a abraçá-la assim que subiu na vassoura. A respiração batia em seu pescoço e fazia todos os pelos do corpo arrepiarem. Quase perdeu o equilíbrio.

Mesmo que, para Laís, naquele momento, os sentimentos não se equiparassem aos de Bia, foi impossível apenas fingir que todo aquele contato não lhe movimentou as borboletas do estômago.

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