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Caminho pela avenida até a rua dos impuros. - é assim que chamam o território das pessoas que trabalham com a arte do prazer- , não está muito movimentada, poucas pessoas estão em seus pontos.
Me afasto das luzes o máximo que consigo e tento encontrar um local mais isolado.
Não quero correr o risco de ser reconhecido. Julgo que minhas roupas escuras e o capuz que uso na cabeça não me deixaram ser percebido por quem não deve.
Sempre deu certo, Mas não dessa vez... A Uns vinte minutos em que estou no ponto um carro de cor acinzentada vem de encontro comigo com os faróis brilhando forte. O veículo me é familiar, a silhueta da pessoa que o dirige também é.
Talvez algum vizinho, alguém próximo do vilarejo, não dá pra saber. Sinto minhas mãos suarem e minhas pernas tremerem.
Consigo ver a decepção de meu pai ao saber do meu segredinho sujo. ele nunca foi de julgar, mas sei que ele jamais iria querer isso para mim... Para nós.
Fico cara a cara com o carro quando ele para a minha frente, consigo piscar de novo, mas meus olhos ainda estão doloridos pelo brilho dos faróis amarelados.
O vidro escuro se abaixa, e eu aperto os olhos para ver quem está dentro.

"E aí maninho?"

É só o que eu ouço. É uma voz muito familiar, doce e meio fina. Mas gostosa de se ouvir. Luto para reconhecer o dono da mesma, mas quando as luzes internas do veículo se acendem a figura de um rapaz branco de olhos escuros toma conta de minha visão.

"Ícaro?!"

Deixo escapar alto como ato de surpresa.
Eu não conseguia acreditar que era ele ali, bem ali em minha frente.

"O que você tá fazendo aqui ?"

Pergunto com um sorriso entusiasmado no rosto.
Ele sorri da mesma forma antes de me responder:

"Vim ver a mamãe e os meninos, fazia tempo que eu não aparecia no vilarejo. Vi você de longe e não pude passar reto,
Entra aí, vamos comer algo e conversar."

Não espero muito para aceitar o convite.
Ícaro foi o único amigo que tive desde a infância até os  quinze anos, éramos inseparáveis. Como se fossemos irmãos de outra vida. Contávamos tudo um para o outro. brincávamos juntos sempre que podíamos quando éramos mais novos.
Até que infelizmente ele foi recrutado para a guerra, e desde então, eu só o tinha visto três vezes depois que ele foi dispensado, voltou com cicatrizes de queimadura nos braços e mais forte do que quando brincávamos, voltou mais maduro e um tanto exibido também. Deixou as coisas de criança de lado e se tornou um homem.
Trocamos no máximo cinco palavras
Antes de ele ir morar na capital e raramente vir visitar a mãe e os irmãos.

"Você... Caramba, eu pensei que nunca mais fossemos nos ver. Você mudou muito, tá mais alto, mais forte, mais..."

"Bonito?" Ele brinca, piscando pra mim e sorrindo.

Não era mentira. Ele estava mesmo muito bonito, e seu sorriso... Seus lábios largos e rosados lhe davam ainda mais charme.

"É, quase isso."

Digo e rimos juntos.

"Eu diria que você também mudou maninho, não cresceu muito. Sempre fui mais alto que você, mas seu cabelo cresceu. Você tem um ponto."

Dou um tapa nele de brincadeira e ele ri.

"Tô falando sério, porque você sumiu ? Pegou um pouco de dinheiro do exército e esqueceu dos amigos, sumiu sem nem se despedir"

Por um momento, seu olhar fica rígido, e o sorriso some.
Não sei se fui grosso ou intruso mas ele realmente não deu explicações. Nós éramos íntimos demais para simplesmente nos afastarmos de uma hora pra outra.
Lembro do dia em que ele foi recrutado para a guerra como se fosse ontem.
Fui com os pais e irmãos dele na estação de trem para o embarque, nós nos abraçamos e choramos muito. Ele não queria ir e eu não queria que ele fosse, prometemos que se ele voltasse vivo e bem, nós compraríamos uma casa no vilarejo mesmo e iríamos morar juntos, como irmãos. Almas gêmeas para sempre. Mas isso era um sonho bobo de criança, ele só tinha dezenove anos e eu só tinha quinze. Não sabíamos das voltas que a vida iria dar.
Ele suspira vagamente e diz:

Chama Perdida Onde histórias criam vida. Descubra agora