PRÓLOGO

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A música lenta envolvia meu coração. O vestido longo com
contas brilhantes que reluziam sobre o tecido preto pesava a cada
novo giro que eu dava enquanto segurava a mão de um rapaz um
pouco mais alto que eu. Um estranho, sim, mas que sorria para mim
como se nos conhecêssemos há anos.
Magnólia também rodopiava em seu vestido púrpura, cheio
de camadas, pelo salão festivo, decorado exclusivamente para seu
baile de formatura. Minha irmã caçula estava estonteante, parecia
uma princesa com os cabelos claros como os meus, caindo em
ondas pelas costas nuas. Ela estava abraçada ao namorado e
exibia um sorriso apaixonado, tão contagiante que por um momento
nos esquecemos das presenças que geralmente sempre nos
incomodavam. Os três homens de óculos escuros e muito bem
armados, parados nas laterais do baile.
Agora aquilo não importava. Naquele momento, eu só queria
aproveitar a companhia do estranho colega de classe da minha
irmã, que tinha um charme profundo, inusitado e o melhor... não
aparentava temer os nossos guarda-costas.
- Harry... - ele sussurrou em meu ouvido de repente, pouco
antes de me rodar em seus braços e me puxar para perto. - Esse é
meu nome, acho que deveria saber, já que pretendo te chamar para
sair depois de todo esse espetáculo. - Ele olhou para a festa que
estava abarrotada de alunos.
O salão mais parecia ter saído de um filme da Disney. Entre
conversas altas e risadas histéricas, várias fitas de seda desciam do
teto da entrada até a área de dança. Uma pequena banda tocava
sobre um palco luminoso e, em uma ala mais isolada, os
professores observavam os alunos e seus convidados aproveitando
a festa e provavelmente agradecendo a Deus por mais uma vez

terem se livrado de um amontoado de jovens agitados e
barulhentos.
- Harry - repeti o nome com um sorriso. Ele me encarou,
os olhos cinzas varreram os meus com intensidade.
Ele era tão lindo, tão charmoso e com certeza devia ter a
idade da minha irmã, o que significava que Harry era três anos mais
novo do que eu. Mas quem estava contando? Eu com certeza não...
- Para onde vamos depois daqui?
- Vai ter uma festa na casa do Carl. Um amigo da turma.
Sua irmã foi convidada. - Ele soprou em meus ouvidos. - Seria
sonhar demais querer que você fosse com ela?
- Nunca te disseram que não há limites para sonhar? -
Sorri, tentando conter a euforia.
Ah, qual é? Ele tem 17, mas é bem gatinho...
- Acha que consegue se livrar deles por lá? - Apontou com
o queixo para um dos nossos guarda-costas que mais parecia ter se
tornado parte da pintura do lugar. O homem nem sequer se mexia.
- De 0 a 100? - Crispei os lábios. - 1%. Isso se um
milagre acontecer. - Suspirei diante da realidade e senti sua mão
comprimir ainda mais meu quadril.
- Relaxa, a gente dá um jeito - ele disse ameno. - Nossa
missão hoje vai ser despistar os MIBs ali, fora do olhar deles eu vou
conseguir fazer o que mais quero desde que coloquei meus olhos
em você.
- E o que é? - Meu coração bateu mais forte pela mera
expectativa, mesmo ciente de que era impossível distrair qualquer
um daqueles homens, queria ao menos poder imaginar aquela
conversa mais tarde.
- Te beijar - sussurrou bem pertinho do meu ouvido. Um
arrepio transpassou meu corpo.
Um arrepio delicioso e cheio de expectativas que, no instante
seguinte, se transformou no mais puro pânico, quando um som alto
tomou o salão no exato momento em que a música parou.
- Atirador! Tem um atirador! - alguém gritou. Mais um som
seco e alto explodiu em algum lugar do salão.

Uma confusão generalizada começou. Imediatamente meus
olhos buscaram Magnólia na multidão. As pessoas começaram a
correr, tentando sair do salão e uma delas esbarrou em mim,
afastando-me de Harry. Ergui o rosto e não consegui vê-lo outra
vez.
- Mantenha-se abaixada! - Braços e mãos me cercaram. O
guarda-costas abaixou minha cabeça, cobrindo-me com seu corpo.
- Cadê a Mag? - Tentei me erguer para olhar em volta,
mas ele me impediu.
- Estou com o Cristal, saindo pela lateral.
- MAGNÓLIA! MAGNÓLIAAAAAAA... - comecei a gritar, já
que ele não estava disposto a permitir que eu me levantasse.
- O Diamante está bem na nossa frente, concentre-se em se
manter abaixada, senhorita - ele alertou, enquanto sons de coisas
quebrando e gritos agudos tomavam o lugar.
Ergui o rosto a tempo de ver alguém esbarrando em Magnólia
no meio da multidão, antes do guarda-costas mais uma vez abaixar
meu rosto, fazendo-me encarar a barra do vestido púrpura de Mag
se arrastando poucos metros à frente.
Certo alívio tomou meu peito. Assim que saíssemos dali todo
aquele pesadelo terminaria.
Continuei caminhando, mal enxergando um passo diante de
mim. Segundos depois, estávamos do lado de fora do salão de
festas. Os guardas começaram a correr e nos induziram a fazer o
mesmo. Fomos escoltadas até um dos quatro carros pretos parados
na porta do salão, todos idênticos. Entramos no terceiro deles e eu
demorei mais do que deveria para notar o que tinha acontecido.
- Graças a Deus estamos seguras... - Virei-me para minha
irmã que já estava sentada no banco do carona. Sua mão
pressionava a cintura e só então vi a mancha vermelha que se
espalhava pelo tecido. - Magnólia? - Ela me encarou, os olhos
arregalados no rosto delicado e ligeiramente mais pálido me
apavorou. - MAGNÓLIA! SOCORRO! - gritei, saltando-me sobre
ela que começou a se debater e convulsionar.
- O Diamante foi ferido, repito, Diamante ferido!

- Façam alguma coisa, por favor! Por favor, ajudem minha
irmã! - implorei quando vi mais e mais homens chegando até
nosso carro. Um deles tentou me tirar do lado de Magnólia. - Não,
eu vou ficar aqui. - Mal fechei a boca e minha irmã começou a
puxar o ar com força, seu peito subia e descia como se o ar não
chegasse aos pulmões. Os lábios começaram a ficar roxos e foi
então que o pesadelo começou.
Sempre tive pavor de pesadelos... Ficar presa em um lugar
que só te causa dor era terrível, doloroso, infernal. Mas havia uma
coisa muito pior que as armadilhas da mente e dos sonhos... a
realidade.
Observei descrente um dos guardas rasgando o vestido de
Magnólia enquanto ela sufocava.
- Ela foi esfaqueada, mas não é um lugar fatal, então por
que... - Ele encarou confuso o rosto pálido da minha irmã.
- Ajude-a, faça alguma coisa, pelo amor de Deus! -
Lágrimas sinuosas desceram por meu rosto enquanto meu corpo se
mantinha inerte, como se de repente tivesse perdido todas as
minhas forças. - Ajudem minha irmã. - Solucei.
Sentia-me inútil, assistindo-a sufocar de estava de mãos
atadas. Seu corpo balançava como se estivesse sofrendo um
ataque epilético.
- Vamos para o hospital. AGORA! - um dos guardas disse
no rádio, mas antes mesmo que ele terminasse a frase, Magnólia
parou de se mover repentinamente.
Fechei os olhos, incapaz de encará-la. O medo misturado ao
pavor e a dor que se insinuava pela minha garganta me congelou.
Não queria abrir os olhos. Não queria encarar a verdade.
O meu pior pesadelo tinha se tornado realidade.

Continua...

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