Capítulo 1

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3 anos depois

Lobo

Havia uma sensação dolorosa e prazerosa na solidão. Uma
que eu apreciava mais do que qualquer coisa. Era esse pensamento
que invadia minha mente enquanto eu rodava entre os dedos o
número de telefone que a garçonete deixou na minha mesa, junto
com o uísque que virei de uma vez só.
Passei os olhos pela pequena multidão que abarrotava um
dos pubs mais caros no centro de Chicago. Vários jovens se
divertiam sob as luzes incandescentes e ofuscantes que piscavam
em meio à fumaça artificial do lugar.
Fiquei encarando a névoa acinzentada e trinquei o maxilar
quando, mais uma vez, o motivo pelo qual eu me permiti ir até
aquele lugar sondou minha mente.
Raramente costumava sair e quando o fazia, nunca escolhia
um lugar em Chicago, a cidade onde morava e trabalhava. Sempre
optava por cidades distantes que me permitissem ficar à vontade,
bem longe de qualquer possibilidade de encontrar algum conhecido,
mas ter que enfrentar meu pai no dia seguinte era um dos motivos
que me levou até ali. Se não distraísse minha cabeça de algum jeito,
acabaria enlouquecendo.
Bem sabia que não deveria ter agredido o convidado do meu
VIP na minha última missão, mas eu detestava pessoas arrogantes
e odiava ainda mais os covardes que se escondiam atrás de
fortunas e de poder.
— Que se foda! — Bufei sozinho.
Meu pai teria que entender a situação. Ele nem era meu
cliente. A regra principal era manter o VIP intacto, ninguém falou
nada sobre os amigos insuportáveis dele.

Balancei meu copo vazio em direção à garçonete que me
atendeu minutos antes, dando uma boa olhada na mulher de lábios
volumosos e cabelos encaracolados que caíam ao redor do rosto
com cachos perfeitos. Ela se aproximou com um sorriso contido e
depositou o copo pela metade em minha mesa.
— Se precisar de algo, qualquer coisa... pode me chamar —
ela disse baixo. — Ou pode me ligar. — Lançou-me uma piscadela e
mordiscou os lábios tingidos de vermelho, ciente de que eu ainda
segurava seu número de telefone entre os dedos.
Ela era atraente e eu poderia garantir que ambos queríamos
a mesma coisa, uma madrugada de sexo, mas a minha realidade
naquela noite era diferente das outras que passei na companhia de
alguma desconhecida. Hoje eu não conseguiria nada além de
pensar em uma forma de escapar inteiro do meu pai amanhã.
— Que merda! — praguejei baixo, apoiando os cotovelos na
mesa.
Não consegui me controlar durante o trabalho e agora ia ouvir
por isso.
Levantei-me, disposto a colocar um fim naquela noite. Desviei
de algumas pessoas que estavam energizadas pela bebida e
dançavam conforme a música, até chegar próximo ao bar e notar
que repentinamente, naquele canto escondido, as pessoas que
antes pulavam sem parar, agora estavam paradas como estátuas,
encarando alguma coisa em meio à fumaça cinza que reluzia a luz
vermelha do bar.
Busquei com os olhos o que estava chamando a atenção de
todas aquelas pessoas a ponto de pararem o que estavam fazendo
e foi então que eu a vi. O motivo pelo qual aquelas pessoas se
sentiram incapazes de desviar o olhar e, assim como eles, me vi
preso àquela visão.
Uma mulher estava dançando sobre uma das mesas do bar.
Sua blusa preta e luminosa tinha um decote profundo que mexeu
com minha imaginação, assim como a calça jeans desfiada e muito
apertada que desenhava suas curvas. Os seios empinados e
marcados pelo tecido brilhante se moviam conforme ela girava no
salto fino, os cabelos loiros e muito compridos se pregaram em suas

costas e rosto, os lábios vermelhos estavam manchados pelo batom
e ela sorria de uma forma tão... livre, que por um ínfimo momento
tudo que consegui fazer foi admirá-la. Os braços se moviam com
precisão ao redor do seu corpo. Ela girou sobre um dos pés,
equilibrando-se no salto com uma perfeição que causou murmúrios
de admiração às minhas costas.
A dançarina mantinha os olhos fechados, enquanto deslizava
as mãos pelo colo do busto, pescoço e cintura. Era uma visão
excepcionalmente excitante e deliciosa. Como se ela sentisse a
música em seus ossos. Como se fossem uma só.
A mulher rodopiou mais uma vez sobre a mesa lustrada e
desceu logo em seguida, em uma saída perfeita que me levou a
acreditar que ela era uma dançarina profissional. Pensei ter
testemunhado a melhor performance que já vi na vida, mas estava
enganado.
Ela deu um passo errante quando a música se tornou mais
lenta e novamente fechou os olhos. Abriu os braços e ficou ali,
parada por alguns segundos, mais uma vez como se a música a
penetrasse. E por algum motivo eu não consegui me mover, só
conseguia observá-la. Os fios soltos presos em sua boca chamaram
a minha atenção para os lábios semiabertos, e ainda de olhos
fechados, ela moveu os braços e o que vi depois daquilo foi a mais
incrível perfeição. A garota girou, saltou e fez movimentos delicados,
sinuosos e muito sensuais.
Ela transmitia uma energia tão profunda que me perturbou.
Entre os giros, a dançarina acabou se aproximando de mim e me vi
prendendo o ar, observando-a. De perto era ainda mais linda. Como
um anjo rebelde. Os saltos finos não atrapalhavam em nada, o que
me impressionou. Não entendia como as mulheres tinham a
capacidade de andar sobre aquela agulha o dia todo, que dirá
dançar sobre uma como se estivesse descalça.
De repente, como que para me contrariar, a garota tropeçou
em alguma coisa e seu corpo foi arremessado em minha direção.
Estiquei o braço para ampará-la em um movimento impulsivo e ela
se agarrou em mim como um bêbado agarraria um poste, metendo
a mão bem no meio da minha cara.

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