Independe: "Foi escrito com marcador permanente, então é para sempre!"

Prólogo

Holland

Partir o coração de alguém nunca é proposital, não para mim.
As coisas simplesmente acontecem como devem acontecer.

*
6 Anos Atrás

Estou deitada de bruços sobre o pequeno sofá meio macio do meu namorado, em frente a janela aberta de seu quarto - uma bay window.

Daqui, possuo visão quase completa de seu imenso jardim com uma estufa e uma linda fonte central, mas o que prende minha atenção, na verdade, é a pequena horta do lado direito, a uns 15 metros da fonte. Foi recentemente construída por sua irmã, que só come o que colhe. Com minha visão nem tão boa, mesmo de óculos, tentar ver daqui, de tão longe, se os tomates estão maduros ou se as cenouras cresceram o suficiente, me interessa mais que o meu próprio namorado. Não que ele não seja interessante, ele só não é interessante para mim.

Sinto seus dedos quentes em minha pele, contornando minha espinha, passeando por minhas costas nuas enquanto tento ler a oitava carta que ele me fez para celebrar mais um mês de namoro, sem me distrair com a horta ou a estufa que ganhou borboletas raras encomendadas da Colômbia pela sua mãe entojada.

Trace está sentado no chão ao meu lado; as únicas coisas cobrindo seu corpo são suas tatuagens e uma cueca box preta. Ele me analisa de forma criteriosa, intercalando seu olhar entre a carta escrita à mão por ele mesmo e meus olhos, que, se não estiverem no mínimo marejados até o final da última frase, será sinal de que não o amo. E eu não amo, mas não quero discutir por esse motivo novamente. Então, venho forçando minhas emoções: ou forço alguma lágrima ou fico muito contente.

Trace Miller é incrível. Aparentemente, se tem uma impressão errada sobre ele de início. Dono de feições fechadas, as tatuagens cobrindo quase 65% de seu corpo, os piercings e o cabelo preto sempre arrepiado te fazem mudar de calçada se ele estiver vindo na sua direção em uma noite escura. Contudo, se der uma chance e realmente o conhecer, ele se mostra um cara apaixonado que tem senso de responsabilidade sobre os que o cercam, que se preocupa com a família e amigos, que deixa de lado grande parte das futilidades da vida. Só não algo tão "importante" quanto a comemoração mensal de um relacionamento que está prestes a ruir.

"...você sempre será o único combustível capaz de fazer minha vida andar..." – não é algo tão romântico se pararmos para analisar; essa metáfora só me faz pensar em carro. Mas, se me esforçar em focar somente no significado, no que ele está querendo dizer, me pego impactada por essa frase em especial. Entre tantas outras em um texto de quatro páginas, frente e verso, que conta sobre como nos conhecemos e nos "apaixonamos", essa foi a frase que me fez levantar, vestir a primeira camisa que encontrei jogada pelo chão e acabar com seus planos para o fim de semana, que ele planejou inspirado em filmes românticos que viu semana passada com sua irmã caçula, Noah.

– O que foi, Holls? – pergunta gentil, corrigindo a postura.

– Precisamos conversar, Trace – ajeito meus óculos no topo do nariz.

Como um reflexo, juntando minhas coisas, enfio a carta na minha mochila, amassando-a indiferente, e, sem que eu diga nada, ele parece entender tudo. Posso ver em seu rosto, não por hoje, não por este momento, mas ele sabia há muito tempo.

Trace não é idiota. É cinco anos mais velho que eu e tenho certeza de que sabe que não é o combustível da minha vida. Tenho certeza de que sabe que sou uma fingida grande parte do tempo em que estou com ele, que finjo até mesmo quando estamos na cama, que finjo rir de suas piadas e finjo me importar quando, acidentalmente, um de seus piercings inflama e ele vai parar no hospital às 4 horas da manhã e eu só apareço no dia seguinte, alegando que meu celular estava descarregado. Ele sabe que sou péssima como namorada, que odeio sua mãe, que sou egoísta a ponto de não saber a data de seu aniversário, não lembro da data em que nos conhecemos e não suporto as coisas que ele gosta.