Capítulo 1

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Um segredo. Uns bonitos olhos, muito grandes e luminosos, lhe diziam sem palavras que não tivesse medo. Dos lábios da mulher – mãe ouviu " Eu volto para te buscar. Não fique triste. " Nunca contara a ninguém que lembrava-se da mãe com grandeza de detalhes; fechou os olhos, deitada na cama, e viu nitidamente a mulher que a deixara anos atrás, seus longos cabelos castanhos, sua roupa castanha, a voz doce, o toque de seus dedos. Por que ela não voltara?

Uma dor aguda invadiu o peito da jovem que não conseguia chorar: tinha a alma seca. Do pai não lembrava, ou talvez, não quisesse recordar; era estranho, mas, para Clara, sua vida começara no dia em que sua mãe a deixara na porta do lar de meninas, tão sinistro com seus barulhos noturnos, o grito abafado que noite após noite aproximava-se dela e, ela, pedia a Deus que não chegasse sua vez de dar gritos abafados.

Não sabia explicar o motivo, mas, certo dia pela manhã, uma porção de freiras invadiu o local e, segurando de cada lado uma menina, partiram rumo a uma série de veículos que as esperavam. Ela, Clara, fora a única que ficara sem par e, entrando no carro, ficou pensando se a mãe conseguiria encontrá-la...

Sentiu raiva de si mesma; devia espernear, gritar, dizer que não queria ir. Mas, seguia a freira automaticamente, como se o que sentia e fazia não pudesse coexistir naquela realidade que era o seu ser, seu corpo e vida. Olhou a fria e feia fachada do casarão que a abrigara; viu as paredes escuras e descascadas afastarem-se e seu coração ficou pesado; E se ela vier me buscar? E se ela pensar que eu morri ou fugi? Como vai me encontrar? Começou a chover.

A chuva açoitava os vidros embaçados do carro. Um silêncio pesado parecia anunciar-lhe uma eterna ausência. Tentou pensar em algo bom, mas, não lembrou-se de nada. Na sua curta existência tivera mais impressões ruins do que boas ... Pediu a Deus que trouxesse a mãe de volta.

Clara olhou no espelho que ficava ao lado da cama. Viu seus melancólicos olhos claros chisparem aquela luz úmida, sua conhecida. Nos momentos de raiva, cobria a penteadeira para não ver-se; queria não ser. Olhar-se era constatar que existia e que podia causar mal aos outros.

Ela era realmente uma moça muito má. Sua vida mudara muito nos últimos anos. Foi em uma bela manhã de outono, com tímidos raios solares a secar as poças de água, que desceu do carro logo após a religiosa. Estavam em um lugar alto onde podiam avistar uma parte da cidade encantadora. Olhou para o prédio verde, para algumas crianças que corriam a brincar e, para outras que simplesmente olhavam a provável nova companheira ...

A jovem voltou da viagem interior ao som do freio de um veículo; correu à janela, mas, não era ele. Não era ele. Ele, com sua agradável presença não vinha para ajudá-la a esquecer de tudo e começar uma vida nova. Mas, se ela não era ainda, como podia começar alguma coisa? Nem aqueles olhos azuis que a amavam conseguiam arrancar aquela dor que a acompanhava.

Sorriu embevecida com a lembrança aveludada daqueles olhos azuis. A memória que procurava encontrar uma razão para ser, fê-la reviver a sensação de prazer que sentiu ao olhá-los pela primeira vez. Já fazia algum tempo que vivia naquela casa verde e, em um domingo pela manhã, viu-o com a família. Mais tarde soube que iam à igreja. Olhava para a rua através do muro de arame que separava ela e seus companheiros abandonados do resto do mundo. Viu um menino loiro que dava a mão para uma senhora. Um jovenzinho, de cabelos escuros ia na frente com um homem com cabelos e barba branca, vestido de paletó, que segurava as mãos de uma encantadora menina de longa trança acastanhada.

Não desgrudava os olhos da família que continuava seu caminho. Pensou que eles passariam à sua frente, mas, para sua tristeza, atravessaram a rua. Ela queria olhá-los de perto para ver o que não tinha. E, foi por um breve momento que o garoto que estava com a mãe voltou a cabecinha dourada para o seu lado e cravou os olhos azuis no rosto surpreso da menina que fora apanhada em " delito observatório ". Cravou seu olhar doce no coração de Clara. Sorriu lindamente, com aquele sorriso que só ficava mais bonito com o tempo. Foi-se embora com a mãe. Nunca mais foi embora de dentro dela.

Da transparência do vidro viu um caminhão estacionar em frente da casa dele. Um jovem alto e com cabelos ainda mais dourados pela luz do sol, saltou com alegria do veículo. Clara foi correndo ao seu encontro, mas, antes de abrir a porta do quarto, controlou-se; era assim, todos os gestos e atos eram calculados, feitos para agradar e convencer de que tudo estava bem no planeta. Abriu a porta com calma e, meio fria, ouviu a Sra. Bárbara lhe dizer pela milésima vez que pelo menos abrisse um sorriso para receber o John. O rosto estava sério, porém fazia sol dentro dela.

CLARAOnde histórias criam vida. Descubra agora