Capítulo 14

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Preparativos. Dali a menos de uma semana ela ficaria noiva de John. Comprara um vestido novo, branco e vermelho e o rapaz dera-lhe outro de "laise" branca, com detalhes em azul. Lindo como ele.

Chegou. Não o da festa, que seria realizada dali a dois dias. Clara despertou ouvindo uma leve pancada em sua janela. Esfregando os olhos levantou-se e chegou perto da janela. Ouviu a voz de John pedindo-lhe que se arrumasse e o encontrasse dali a pouco.

Olhou no relógio. Eram 6 da manhã. A casa em completo silêncio. Preparou-se para o banho. Colocou o vestido que ele lhe dera e arrumou-se. Mas, antes deixou um bilhetinho para a Sra. Bárbara : " Sai cedo com o JOHN."

Abriu a porta e logo o viu. Estava mais fofo do que nunca. Calça jeans azul clara, blusa de mangas longas branca, cabelos arrumados, lindo de fazer doer o coração.

Tinha uma expressão traquina. Tomou-a pela mão, andando com cuidado para não fazer barulho. O carro estava estacionado em frente do portão da casa de Clara. Entraram.

- Para onde a gente vai? – Clara perguntou-lhe enquanto ele colocava-lhe uma venda.

É surpresa. – John beijou-lhe desprevenida, rapidamente.

Clara ouviu-o ligando o motor.

Não conversaram, pois ele cantava. Tinha uma voz melodiosa e agradabilíssima. Clara amava ouvi-lo cantar. Bom, adorava tudo o que relacionava-se àquele ser azul que entoava um cântico da igreja que a tocava de uma forma especial. Lembrou-se da mãe.

Sempre lembrava dela quando o ouvia. Entristecia-se, mas ao mesmo tempo, consolava-se. " ... só a morte pode me fazer abandonar você ... " John cantava. "Eu volto para te buscar ..."

Clara sabia da importância das palavras, tanto ditas quanto escritas. Quando falava algo que sentia, sabia que selava a vida de alguém. Outras canções seguiram-se aquela...

- Chegamos. Não tire a venda ainda.

Quando saiu do carro com a ajuda do rapaz ouviu o canto de pássaros e também o suave murmúrio de um rio. Aspirou o ar puro enquanto caminhava lentamente.

John afastou-se dela por alguns minutos e pareceu abrir um grande portão. Continuaram o caminho até que ele avisou que tinha alguns degraus para subir.

- Vou retirar a venda...

Abriu os olhos que doeram com a luz do sol, acostumados com a escuridão. Ela não acreditava no que via. Estavam em um lugar que visitaram ainda com o "Tempestade" há aproximadamente quatro anos. Vivia ainda no orfanato e, à pedido da Sra. Joan, obtivera permissão para ir até a fazenda. John a levara para passear e, ao longe viram um lindo e antigo casarão, como que perdido no meio da paisagem. Foram até lá e Clara encantara-se com o lugar. Era maravilhoso.

Pertencia àquele local selvagem. Sentia-se ali em casa. Na casa que nunca tivera. Agora, estava ali novamente, sempre com seu anjo azul que a olhava feliz.

- Que surpresa...

- Conheço o dono do lugar e pedi que o emprestasse por um dia. – John tinha entre as mãos uma cesta que Clara nem vira de onde ele a pegara – Hoje vamos ficar aqui para comemorarmos o dia mais importante de todos os dias e, sou seu servo... Inclinou-se como um serviçal e levantou-se sorrindo. Aproximou-se e beijou-lhe a testa com doçura.

John preparou a "mesa" do café próxima ao riacho que corria não muito distante da casa. Uma linda toalha de linho alvíssimo. Sentaram-se e comeram entre beijos e conversas amenas ...

Quando, à noit, despediram-se Clara sentia-se iluminada. Clara, clara, nada de sombra ou de amargura. Ninguém ou nada poderia feri-la. Não ouviu a mulher que lhe rogava insistentemente para que lhe contasse o que havia feito naquele dia. Fora um dia seu, só seu.

Deitou-se cedo, alegando estar cansada, quando, na verdade, estava descansadíssima; fechou os olhos para reviver o sonho que tornara-se realidade. Sempre quis ficar sozinha com ele de verdade. Eram raros os momentos. Hoje, tivera-o ali, todinho só para ela. Conversaram, riram, almoçaram, brincaram. Vira-o nadar, lembrara-se de quando o sondara ...

Mas, foi um ato solene que marcou-lhe a alma. Talvez para sempre. Andavam pelos arredores do casarão, no eloquente silêncio de quem se compreende, quando encontram um pequeno altar de pedra com uma cruz confeccionada de bambus. Estava enfeitado com flores e Clara percebeu que fora John quem os conduzira até ali.

Estava sério, mas havia muita doçura em seu olhar azul. Tomou as mãos da jovem e fitou-a tão longamente que Clara sentiu-se de alma exposta.

- Sempre lemos na Bíblia ou ouvimos o pastor falar que alguns homens que amavam a Deus e o encontravam em determinado local, erigiam altares para adorá-lo. Encontrar você foi uma dádiva e um encontro com Ele. Coloquei estas pedras e esta cruz aqui para firmar o nosso compromisso...

Clara sentia-se pura como a luz que banhava a face de John e lhe destacava a alma. Ouvia-o encantada, surpresa, maravilhada. Fechou os olhos quando ele cantou-lhe o juramento...

- ... somente a morte pode me separar de você... Ambos levantaram as mãos que tocaram-se no ar, palmas unidas. Amaram-se naquele toque, de corpo e alma, amavam-se no olhar. Clara pensou que a entrega que tanto esperava era secundária frente ao que vivia ali, naquele momento. Pertenciam-se já. Entregavam-se um ao outro desde que vira seu olhar azul de veludo.

" Ou eu posso nos separar " – Clara sentiu uma dor tão aguda que abraçou-o com força. Não conseguia falar. Queria dizer-lhe que nada nem ninguém poderia tirar o amor que sentia por ele, mas, ao mesmo tempo, sabia que ela poderia destruir isso...

Abriu os olhos. Sabia que as almas de ambos haviam assumido ali, diante daquele altar, um compromisso para toda a vida. "Me espere, meu amor, me espere que eu vou voltar." – disse para si mesma e adormeceu prazerosamente, sentindo John dentro de si. Antes, porém, sentiu a alma enegrecer mais uma vez, desacostumada de viver sob a luz do Sol dentro dela.

CLARAOnde histórias criam vida. Descubra agora