Capítulo 4

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Clara abriu os olhos sonolentos e viu a luz do sol banhar o quarto. Não gostava do dia que revela a dor, que traz à tona a verdade, que revive a esperança de que um dia tudo vai mudar, sem tornar concreto o sonho. Estava de mau – humor e, era mais difícil ocultar-se.

Levantou-se e abriu a porta do quarto. A casa estava silenciosa. A Sra. Bárbara ainda estava dormindo o que Clara achava muito bom. Não gostava de sentar-se com ela à mesa; era sempre a mesma conversa, a de que ela tinha que ser rápida e esperta para não perder o John e mais uma porção de ideias e frases que Clara preferia apagar da memória para não corar de vergonha quando estava ao lado do rapaz. Colocou a água no fogo e foi escovar os dentes e tomar um banho. Aquele banheiro minúsculo a irritava, porém, pelo menos tinha um banheiro. Escovou os longos cabelos que brilhavam, sedosos. Prendeu-os em um "rabo de cavalo " que a deixava ainda mais menina.

Hoje iria para a fazenda. Foi para o quarto para colocar um jeans, roupa muito mais adequada para quem vai cavalgar. Separou um vestido para depois do banho, naquela banheira de sonho e, também roupa íntima. Ouviu o rumor da Sra. Bárbara e a sombra voltou para dentro de si.

Ambas encontraram-se na pequena sala, confluência da saída dos dois quartos. Cumprimentaram-se como vizinhas que pouco se vêem e, para desgosto da menina, a Sra. Bárbara começou com a cantilena. Clara fitou-a longamente, como se prestasse muita atenção nas "recomendações" e, sentando-se para tomar café, não ouviu uma palavra sequer. Este era seu segredo.

Quando finalmente conseguiu sair, somente após trocar o vestido que escolhera por aquele bendito mais curto e mais colado, teve um estremecimento. Marta, sua colega de escola, já estava na porta da casa do John com os pais. Ela também iria.

Marta era a menina perfeita. Gentil, meiga e, principalmente, tio Jeremy e Tom a adoravam. Além do mais, ela e Deise eram muito amigas e a Sra. Joan lhe queria como uma filha. Clara a admirava, mas ficava chateada ao seu lado. Diminuía, desaparecia. Tentou sorrir o melhor que pôde assim que a viu.

Marta correu ao seu encontro, abraçando-a. Perguntou-lhe sobre a tarefa de educação artística que Clara já fizera e que, com certeza, não ficara tão boa quanto a da amiga; não gostava de ver-lhe os deveres e, ao mesmo tempo precisava vê-los para fazer melhor ou, pelo menos tentar.

Clara disputava cada nota alta e cada elogio com sua colega. Mas, sabia-se não tão boa quanto. Enquanto matava-se para fazer algo que os professores consideravam "bom", Marta conseguia prêmios e mais prêmios, destacando-se em cada área. Além de tudo, ela e o John viviam "treinando" a língua inglesa quando estavam juntos e, Clara, que falava muito mal, ficava sobrando. Ambos tentavam em vão persuadi-la a acompanhá-los, porém o que conseguiam era afastá-la sob qualquer pretexto. Deixava-os magoada com aquela inocente maneira de dizer que ela precisava de ajuda em tudo.

Era isso. Ao lado de John e Marta, sentia-se inferior. Eles não faziam nada para que isso acontecesse, entretanto, o simples fato de existirem e serem o que eram, deixava Clara insatisfeita consigo mesma. Retribuiu seca o abraço da jovem ruiva e, afastou-se, procurou com o olhar gelado John, entre as pessoas que saíam de sua casa. Tom cumprimentou carinhosamente Marta e, cerimoniosamente Clara. Beatriz e Deise abraçaram as duas jovens antes de entrar no carro. John saiu por último com tio Jeremy que, não disfarçou bem o desagrado que a presença de Clara lhe trazia. John jogou-lhe um beijo no ar.

Clara e a família de Marta foram juntos para a fazenda. John levou o tio e a mãe na pick-up, enquanto Deise,Tom, Beatriz e seus pais, foram no outro automóvel. Alguns amigos mais o namorado de Deise também iriam encontrá-los.

Marta e Clara conversavam no banco de trás. Marta, alegre e despreocupadamente, enquanto Clara escolhia cada sentença, observando os olhos da mãe de sua amiga que, por sua vez, também mantinham-se atentos a ela. Desconfiança. Esta era a palavra que Clara queria lembrar e que exprimiam os sentimentos expressos no rosto claro da mãe de Marta. Todos desconfiavam da menina sem passado e sem nada que de uma hora para outra, modificara os planos das famílias amigas de unirem seus filhos.

CLARAOnde histórias criam vida. Descubra agora