Capítulo 6

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Acabara a tortura. Clara saiu leve do colégio. John a esperava com a caminhonete e, conversava com Marta. Esperou um pouco para ver se a colega ia embora e, logo isso ocorreu. Aproximou-se dele timidamente, como pedindo desculpas por existir.

Às vezes, o bonito jovem perguntava a si mesmo o que o atraía para Clara. Ela era bonita sim, mas tão diferente. Não sabia a resposta, porém tinha certeza de que ela era especial. Frágil demais, forte demais, triste demais, escondia algo do passado que a consumia e, agia de modo diferente do que sentia. Mas, ela não era assim de verdade. Era mais.

Clara corou com a leitura do rapaz. Percebeu-se examinada e enrubesceu. John sorriu-lhe, acenando a paz: não te decifro mais e você pode devorar-me. Cumprimentaram-se com um leve beijo e a jovem entrou no carro.

Conversaram banalidades. Ela queria perguntar-lhe sobre Beatriz e Tom, mas sua curiosidade acabou satisfeita assim que chegaram em casa. Como ela havia sido convidada para o almoço, entrou na casa do amigo e viu a noiva de Tom com os olhos vermelhos.

Beatriz amava ao noivo, mas deixara-se levar, nos últimos meses, pela doçura de John. Era impossível não encantar-se com todo o cuidado e carinho daquele homem – menino. Mas, ela acordara a tempo do enlevo que a tomara. Por que agora Tom vinha com aquelas ideias?

Deise a consolava dizendo que o irmão era bom, mas muito explosivo. Clara concordava com Deise, exceto na parte da bondade. Tio Jeremy achava que ele estava nervoso com o trabalho na transportadora da família e, como era digamos, "levemente" colérico, qualquer coisa o enervava. Os únicos que não falaram nada foram John, a mãe e Clara.

John conhecia o irmão. Sabia que aquelas explosões com a noiva nada tinham de relação com o trabalho. Precisava conversar com ele para descobrir o que realmente o incomodava.

O almoço transcorreu relativamente tranquilo. Clara saiu logo, pois precisava ir para a loja de roupas em que trabalhava. A Sra. Joan e Beatriz iriam mais tarde até lá para fazer compras.

John deixou-a na porta e enviou-lhe um beijo no ar. Clara guardou-o no coração, sorriu e entrou na loja. Colocou suas coisas no armário e foi atender alguns fregueses. Quando falou aquilo para o Tom, não imaginara que ele fosse responder assim tão prontamente. A nuvem pairava.

Aquele arrogante bem que merecia. Ela sentia pela Beatriz, mas ela era uma tola por envolver-se com um homem tão violento. Tom era um homem extremamente radical em seus posicionamentos: ou tudo ou nada. Depois da revelação de Clara, enxergava apenas John e noiva com toda a cólera do ciúme.

Relembrava de cada gesto de Beatriz para com o irmão. Sentiu tanta raiva do John que chegou a esmurrar a parede da estrebaria, ferindo a mão.

Fora assim desde que ele nascera; todos só olhavam e viam o menino dourado com seu sorriso fácil. O pai ficara encantado com o pequeno que, era nitidamente seu preferido. Era assim. John era o preferido de todos. Da mãe, do tio, da irmã, onde quer que fosse roubava a primazia.

Não era também o seu? Gostava de conversar com ele, contar-lhe sobre seus projetos na transportadora e na vida. John ouvia-o e vibrava. Mas, somente o irmão perfeito conseguia fazer com que os outros vibrassem. Os empregados tinham-lhe um carinho todo especial e, os que o viram crescer, amor e orgulho paternal. Até mesmo nos momentos em que sua teimosia vinha à tona, era encantador...

Tom lutara toda a vida contra aqueles sentimentos que o irmão despertava em sua alma. Mas, agora era demais; no único relacionamento em que tinha que ser amado mais, lá estava o John novamente ... Olhando para o "Tempestade ", Tom lembrou-se de Clara. Ela sabia. Aquilo o enraivecia ainda mais. Mas, ela teria o troco.

O jovem manteve-se distante todo o domingo e, até mesmo agressivo. Fez Beatriz chorar muitas vezes e, evitou falar com o irmão. Não queria feri-lo, pois não tinha culpa de ser facilmente amado ...

A noiva irritava-o muitas vezes. Aquela mania de querer saber o que ele sentia e pensava, dividir tudo ... Observava John e Clara que entenderam-se bem desde que encontraram-se ainda pequenos. Falavam um com o outro apenas com o olhar. Até isso ele não conseguira, encontrar alguém para quem não precisasse explicar nada.

Clara atendia uma freguesa quando Beatriz e a Sra. Joan chegaram. A dona da loja, amiga da família, logo foi recebê-las. Ofereceu algo para beberem, pois estava muito quente. Ambas aceitaram e acenaram para Clara.

Sentia-se sufocada pela família de John. Os amava, mas tudo em sua vida tinha alguma relação com eles. Orfanato, Sra. Bárbara, escola, trabalho, amor... Muitas vezes, queria ir para uma cidade onde ninguém a conhecesse, ninguém soubesse sobre sua vida toda.

Assim que terminou de fazer o embrulho e entregá-lo a compradora foi ao encontro das mulheres que escolhiam roupas de cama. Beatriz beijou-a e, disse-lhe que em breve era ela que teria que fazer compras para a casa. Clara não acreditava que seria capaz.

Ajudou na escolha automaticamente e sem prazer. Subitamente, ficou feliz por estar sendo útil e, solícita, foi buscar as novas toalhas bordadas de mesa. A Sra. Joan comprou duas que fariam o John delirar!!!

Ele adorava tomar o lanche da tarde em toalhas bonitas. Dizia que tudo ficava mais saboroso e, a mãe, vivia comprando novidades que não lhe passavam despercebidas. Ele notava tudo; as novas canecas de louça, os talheres, o suco, uma gracinha!

Foram embora com Clara. A jovem pediu para a Sra. Joan deixá-la no hospital, pois queria ver a Diana. Ela gostava daquela magricela careca, mas tinha ciúmes do apego do John com a pequena doente. Uma rival.

Ao entrar no quarto ficou feliz em não vê-lo ali. Não queria que a visse, pois tinha ido fazer aquela visita porque queria mesmo e, não por ele. Diana sorriu ao vê-la e pediu-lhe que contasse uma história. Clara inventou uma sobre um Elefante cor de rosa que era muito infeliz por ser diferente. Falou-lhe sobre Deus e Seu Filho.

Era tão bom estar ali e ser boa. Acariciou a face doente da pequena e pediu a Deus que a curasse. Gostava dela e, não queria que morresse. Diana adormeceu com a boneca entre os braços. Clara observava seu sono de anjo.

Diana era tão fofa que ela queria que ela fosse sua filha. Riu da própria ideia e refletiu "Ainda bem que não é. Sorte sua, meu amor". Por que ao invés de uma pessoa tão pura sofrer, ela não estava ali? ...

Cobriu a pequena com o lençol e saiu. Andando pelos corredores do hospital iluminados pelos últimos raios de sol Clara sentiu-se clara, transparente, pura, limpa, leve, iluminada. Queria correr pelo hospital e abraçar a todos. "Senhor Deus, por favor, sei que sou má e que tenho feito muitas coisas erradas, mas cure a Diana".

Foi embora para casa devagar, apreciando cada pedacinho do caminho. Gostava de andar pela cidade a pé, sozinha, pensando que ele estaria lá quando chegasse. Perguntaria "Onde você foi? " e ela diria "Fui comprar sonhos de creme". Já combinara com a Diana para não falar para o John quando ela fosse sozinha ao hospital, era o segredo de ambas. Ou o seu.

Ele não estava na sua casa. Ruim, por ele não estar. Bom, por não ter que esconder-lhe algo. Mas, por que não contar-lhe? Não sabia.

A Sra. Bárbara preparava o jantar. Clara espantou-se, mas imaginou o porquê daquilo. Falou um "oi" e foi tomar um banho.

Diana acordou lentamente e teve uma linda visão. Seu grande amigo velava seu despertar atentamente. Assim que reuniu forças, abraçou-o. Contou-lhe que Clara viera visitar-lhe.

Ele ouviu a revelação como das outras vezes. Surpreso e feliz. Apesar de Clara não falar-lhe nada, Diana narrava-lhe todas as visitas de sua namorada e seu pedido de segredo. Guardava no coração em amor.

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