Um quarto escuro e à beira do rio

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Um quarto escuro e à beira do rio. Disso eu sei, pois não tardo a escutar o chilintear da corrente. Tento imaginar peixinhos, mas nada me distrai da cena em riste na minha frente. Um braço; não, meu braço, pendurado por um triz, seco, sem sangue, com os dedos flácidos agarrando o pobre ar. O cheiro insuportável me amolece. Pavor. O sangue escorrido pelo chão me endurece. Terror. Se fazem dias ou horas que estou acordado não sei, mas acho que você sabe como é quando devoram um de seus braços e deixam o outro ali para você apreciar. Bem à sua frente, perdendo a vitalidade aos poucos, tornando-se nada mais que um bolo de tecidos mortos. Mesmo assim, para alguns, é delicioso.

O pêndulo braçal está em equilíbrio na vertical. Se quisesse, poderia soprá-lo e trazer um pouco de diversão à vida. Sabe que gosto de diversão, não é? Quando estava fora daqui, não consigo lembrar, mas acho que adorava aquele esporte chamado caça. Acho que vocês me entendem. Ver a vida se esvair dos olhos de um animal é sempre muito estimulante. Ter pele e couro para transformar no que você quiser é a mais pura, visceral bela arte. Entretanto, diferente do monstro aqui que cresceu das sombras, arrancou meus braços e comeu apenas um, a morte só me é legal quando rápida, voraz! Não vejo por que estender o sofrimento de um ser que existe para ser livre... essa é nossa diferença, me enganei em vir aqui. Eu até poderia soprar o pêndulo, mas meus pulmões foram arrancados e roubados.

O chilintear da corrente é um ruído metálico. Metálica, também, é a viga que atravessa meu tronco, de lado a lado, de um ombro ao outro. Nesta viga, estão expostos alguns de meus órgãos: intestinos, fígado, pulmões, bexiga, músculos e um coelho morto, com pele de urso e, no mínimo, 6 bicos de ganso. Não sei o porquê. Talvez seja para me trazer equilíbrio, até a criatura voltar e extorquir ou devorar o que me resta. Agora, parando para pensar, não sei como estou vivo. Havia, eu, chegado ao inferno? Talvez, só talvez, o quarto escuro e à beira do rio seja fruto da minha pobre imaginação. Por isso está tudo escuro. Por isso o monstro é um caçador como eu. Por isso o sangue no chão é meu e de mais ninguém. Por isso tornei-me taxidermia cruel igual minhas criações. Adorei. Foi por isso que vim aqui.

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