Capítulo 3- Novas experiências

484 49 78
                                    

Dois dias depois

—Como foi o dia de vocês?— Marcos perguntou durante o almoço

— O meu foi ótimo, só que adiaram o meu estágio para amanhã — falei tomando um gole de suco em seguida

— Eu tive aula de ciências hoje e a gente segurou um sapo na mão!— Ayla falou animada

— Nem foi novidade para você né irmãzinha?— Dori riu

— Sim, as outras meninas estavam cheias de medo, mas gente, é só um sapinho— todos riram da personalidade forte da menina.

— Hoje eu consegui vender mais frutas do que os outros dias, acho que é por causa do verão que está chegando, as pessoas comem mais frutas nesta época do ano

— Hum… Falando nisso, senti vontade de comer melancia — Cristina disse

Após o almoço, Dori foi para o trabalho e eu ajudei Ayla com o dever de casa. Era bom poder ensinar algo, contribuir pela formação da personalidade de alguém, acho que isso era o que mais me encantava em ser cuidadora de crianças.

— Consegue fazer esse sozinha?— perguntei e ela assentiu— ótimo

— Sete vezes três é 23?— ela perguntou

— No Brasil a gente canta uma musiquinha falando "sete, sete são catorze, três vezes sete vinte um, tenho sete namorados mas só posso casar com um"— ela me olhou com uma cara estranha como quem segurasse uma risada por respeito— Kkk, é só para ajudar a gravar

[...]

Depois de ajudar a menina, sai de casa e me sentei no paralelepípedo da rua, as vezes eu não me sentia pertencente àquele lugar, era como se eu estivesse atrapalhando, mas outras, eu sentia como se eu sempre precisei disso, era estranho. Todos pareciam tão perfeitos e bem. Meu pai diria que eu deveria tirar as minhocas da cabeça, que quando eu estivesse com medo, era para fazer meu medo sentir medo de mim, como eu queria que fosse tão simples como ele dizia.

Sorri em meio aos meus pensamentos. Ele faz muita falta, tudo se tornou cinza quando ele se foi, minha mãe passou a ser mais séria, me tratar com rispidez e eu tentei não aceitar a realidade, acho que escolhi não viver o luto, não sofrer.

—Kaira?— Dori apareceu na minha frente— Sai mais cedo do trabalho hoje

Ele sentou ao meu lado e eu sequei meus olhos

— Quer compartilhar o que está pensando?— Me esquivei um pouco e o olhei brevemente, não sabia se era o certo a fazer. Deixar seus pontos fracos a mostra não é algo inteligente.

—Estava pensando no meu pai e que eu tentei ao máximo evitar o luto…— a necessidade foi maior que a razão.

— Minha mãe sempre diz que quando a gente finge que não está doendo, dói por mais tempo

— É… Ela está certa, mas eu não quero esquecer ele

— Me conta sobre ele, talvez seja bom para você— ele colocou a mochila no chão e virou um pouco para mim com um sorriso amigável

—Ele usava óculos, tinha um sorriso quadrado e uma risada engraçada. Ele dizia que o primeiro amor dele foi eu, ele falava "não conta para a sua mãe, mas eu te amo mais"— ri das minhas lembranças — eu sou muito parecida com ele, ele sempre acordava de bom humor, era o primeiro a abrir as janelas, regar as plantas, fazer o café e sempre que estava em casa, fazia questão da gente ir à praia. Uma vez fomos na praia em um dia de chuva, éramos os únicos ali, ele colocou o guarda sol na areia e entrou no mar naquele frio, ele era muito engraçado e carinhoso comigo— minhas lágrimas passam a escorrer pelo rosto— Ele amava rock, Bon Jovi, Beatles, Queens e eu cantava e dançava com ele. E no trabalho ele era o melhor, o melhor médico de todos, nunca parou de estudar e sempre foi humano com os pacientes, nessa época minhas notas eram muito altas e ele dizia que o sonho dele era ver eu com um futuro feliz, não importava fazendo o que, aí eu dizia "tenho medo de não ser um orgulho para o senhor" e ele dizia de volta...— passo a soluçar enquanto chorava—" você deve ser o seu orgulho, se você for a sua luz, eu também vou me iluminar"— Dori me abraçou e secou meus olhos— Então eu continuei a fazer o meu melhor, mas quando ele teve um AVC tudo passou a desandar, ele perdeu os movimentos do corpo, e com o tempo a fala, ele não pode fazer nada, ele não pode se salvar e nem eu… eu não consegui salvar ele

𝐎𝐧𝐝𝐞 𝐦𝐞𝐮 𝐚𝐧𝐣𝐨 𝐦𝐨𝐫𝐚 - Dori Sakurada Onde histórias criam vida. Descubra agora