O Que Você Faz As 3 da Tarde

Carta 9: Sobras.

30/03/2018

Elisa,

Já tem dias dois dias que recebi a carta de mãe Monseur. O que ela me escreveu me lembrou de coisas lindas, mas também me lembrou de tempos sombrios e que eu preferia esquecer. Me trouxe um pouco de angústia ler aquelas palavras, mas também me trouxe esperança para acreditar em mim.

Lições pessoais a parte. Descobri um lugar em Minas que vale a pena se visitar. É uma pequena cidade que fica aqui próximo. Tem Shopping, lojas, todo o padrão de cidade grande com um fluxo médio de 7-9 mil pessoas, coisa linda de se ver.

Abner arrumou um trabalho pra não ficar atoa o dia inteiro e eu voltei a cultivar morangos e outras frutas. Já brotou o primeiro raminho de folhas e logo darão flores.

Ler tua carta me deu ânimo e muita força pra continuar tentando existir. Sinto que agora eu vou conseguir me desvencilhar dos males passados e recobrar minha vida antes de tudo acontecer.

Mas vou contar algo triste que aconteceu aqui na cidade. Passei por uma mulher na rua semana passada e ela parecia bem transtornada. Fiquei com medo de perguntar a ela o que estava acontecendo, já que não havia ninguém seguindo ela e não me parecia ambiente de perigo. Ela passou em disparada até os trilhos de carga do trem. Não ouvi nada durante a semana, mas a notícia triste veio. Ela havia perdido a vida na linha do trem. Chorei.

Pensei na fragilidade da vida e em quão amada fui em todo o tempo que estive contigo. Pensei em minha família francesa, meus amigos que moram ai, minha mãe, todos os que estão do lado de lá do oceano. Ergui a cabeça e parei de pensar na morte. Acho que não é hora para isso.

Sobretudo, sinto saudade dos momentos onde o carnaval me alegrava tanto quanto quaisquer momentos da minha meticulosa e regrada vida.

Hoje me lembrei de ti. Lembrei das palavras sussurradas ao pé do meu ouvido. Mas fico feliz que encontrou lugar em Luna como tinha em mim. Sentir-se em casa sempre faz bem, principalmente quando estamos com quem nós amamos.

Venderei o sítio em Maranhão semana que vem. Lucyane arrumou um comprador que ofereceu 450 mil pelo terreno e 210 pelos animais. Aceitei e já vamos ter o depósito na conta amanhã.

Não pretendo voltar para o Maranhão, nunca mais.

Pedro e Clara devem chegar ainda essa semana, visto que já são 30 de março e eles ainda não deram sinal para mim. Deve ser tarde para falar contigo por cartas perguntando se eles realmente vem. Espero que eles venham.

A única coisa que me deixa chateada é que, mesmo depois de tantos dias, meses sem te ver, sinto que meu amor por ti não cessa. Me parece uma fonte eterna que jorra para sempre e sempre. Sinto que até mesmo o meu amor próprio se transformou em amor por ti.

Foi bom saber que você continuou a vida, que você não teve medo de se entregar a um novo amor. Mas dói saber que ela se pareça tanto comigo quanto eu poderia imaginar. Não me parece nada além de amor.Mas pra mim ficou só o que sobra dos teus carinhos. Ficaram só as sobras dessa lembrança tão linda.

Como diz a murada no centro do Rio de Janeiro:

"Saudade é amor. Te sigo esperando."

Do teu amor mascarado,

Elles.