Carta 6: Lembrar é Doer.

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22/02/2018

Elisa.

Te escrevo hoje pois sei que quer atualizações do que anda acontecendo aqui e nada mais justo do que eu te contar o que estive fazendo em fevereiro.

Mudei-me para Minas. Tua carta demorou a chegar e eu fiquei preocupada com o que poderia acontecer. Abner veio comigo para Minas e Lucyane ficou no Maranhão. Hoje, sou eu e Abner contra o mundo.

Fomos na cidade de Belo Horizonte buscar coisas para abastecer o novo casarão e comprar novos móveis. Terminamos de montar a última cômoda no dia 17. A casa estava uma bagunça. Deixamos a mobília para Lucyane e o namorado, levamos somente as roupas que tínhamos e guardamos em caixas que consegui com o homem da venda.

Dia 19 fomos buscar pratos, talheres, copos, coisas úteis etc. Compramos um jogo de mesa lindo e cortinas maravilhosas para a janela. Achei tua toalha nas minhas coisas. Chorei.

Recebi tua carta dia 21 e li como quem devora um bolo. Fico feliz que Mãe Monseur esteja me preparando surpresas para poder me dar conselhos. Amo as analogias que ela faz.

Quanto a Pedro e Clara, diga que podem vir. Estou ansiosa para vê-los, já que faz muito tempo que não nos reunimos. Nem mesmo quando saí fugida da França, pude me despedir deles, mas deixei bilhetes para ambos apoiando o relacionamento que parecia controverso. Diga que anseio a presença deles e que prepararei café e pães de queijo quando eles vierem. Tenho quartos de hóspede a perder de vista agora que durmo no terraço do sítio.

Aliás, Luna te fez esse bem de amar que eu tanto tenho medo. Sua primeira vez amando é uma experiência nova! Jamais deixe de aproveitar tua experiência por causa de preconceito dos outros. Fico me perguntando se conseguirei amar outra como amei Sara. Ela era minha mais formosa flor do campo. Hoje só restou cinzas do nosso amor, coisa que o vento leva, que a alma esquece, que a dor acaba.

Na medida que te vejo apaixonar, vejo-me definhar em perguntas doloridas demais para serem efetivamente faladas a alguém. Creio que tudo acabará bem para mim já que estou em um lugar mais calmo.

Dica: para os roxos, usar pente e uma colher previamente congelada. Isso vai melhorar a circulação do sangue e não deixará marcas.

Ora, sinto minha alma traçar coisas que não deveria. Ganhei de Januário um rádio amador que estou usando para me comunicar com pessoas desconhecidas pelos mares. Conheci um homem que estava tentando contato a dias e me peguei conversando com ele sobre a morte.

Lembrei-me dos muitos dias que passei sozinha na varanda tocando violão para o nada, dos muitos amigos que um dia tive e que o "amiguinho" da Sara me tirou.

Eu sei que não é a melhor opção agora, mas eu preciso contar para alguém o que aconteceu lá. Que não foi aquilo que as pessoas pensaram, que não foi consentimento ou que não foi bom. Não consigo.

Viver é lembrar e lembrar é doer, sangrar até a alma não ter mais sangue para se desfazer. Como dizia você, o sangue da alma é transparente e sai pelos olhos. Como a minha alma não chorou naquele dia. As vezes me pergunto, o que eu fiz para merecer tamanho mal contra mim?

independente de tudo, sei que vou superar essa memória horrenda e vou seguir em frente. Mas fica a questão que a minha alma levantou hoje:

Se eu morresse de supetão sem avisar, tu, recebendo a notícia, choraria? Se por muito sofrer, pensaria em mim? Onde estou eu que não morro para ver o quão querida sou? Me estremece o peito saber que encaro uma vida tão desnutrida de felicidades por causa de um homem tão ruim.

Desabafos a parte, fico honrada
em saber que você encontrou o amor. Espero que ele nunca vá embora de ti.

Se sempre que eu ler algo que me balance me magoar, viverei morta de arrependimentos e triste por não viver tudo aquilo que quero.

Sou jovem e mereço segundas, terceiras e quartas chances .

Desejo-te sorte no teu amor.

Da sempre sua,

Elles.

O Que Você Faz As 3 da TardeOnde histórias criam vida. Descubra agora