Capítulo 7 - Nerélio

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      Os corredores permaneciam vazios pela manhã, não havia crianças correndo, apenas o silêncio e algumas criadas se encaminhando a cada quarto. Eu já estava pronto, hoje toda família se reuniria, provavelmente haveria brigas e discórdias, as crianças não iriam parar de brincar e provavelmente papai ficaria temeroso de alguém planejar algo contra ele, por causa disso iria interrogar todas as criadas e passaria um bom tempo com raiva.

A primeira a levantar foi Carmínila, já estava arrumada com um lindo vestido vermelho escuro, seus cabelos castanhos trançados deixados a balançar nas suas costas, caminhava com uma postura impecável, sempre demonstrava a máxima perfeição, acho que nunca a vi sorrindo verdadeiramente, creio que isso seja a consequência da criação do nosso pai com os mais novos. A vida dela no final das contas era monótona, entediada com tudo ela ficava constantemente prenha de seu marido, o Cristynerion. Ele por outro lado, era ávido por lutas, seu dom era a batalha, um dia será necessário essa habilidade.

–Bom dia Príncipe! –Disse Carmínila com uma pequena reverência e um sorriso habitualmente falso, me pergunto o que se passa em seus pensamentos, quais são os desejos, ou será que ela é realmente o que aparenta ser? Um dia ou outro, todas as máscaras caem e estarei aqui para ver a dela cair.

–Bom dia Princesa! –Digo com a mesma falsa cortesia destinada a mim, o corredor é longo e seu caminho é contrário ao meu por sorte. O quarto de papai é bem guardado, seus soldado de mantos negros o vigiam constantemente, todo caminho até seu quarto oferta uma visão das terras celestiais, cheias de templos e riachos que corriam em meio a rochas, a água era límpida como se não houvesse água correndo, apenas o barrulho.

Leonida e Alitrus, acompanhados de seus filhos, chegariam em breve e papai havia dito que queria recebê-los com grandes honrarias, já que não vinham até as terras celestes desde o caso em que Leonida havia acusado Hérberus de prender a mamãe em sua própria mente, eu tenho conhecimento de que ela está certa, mas se eu fizer um caso semelhante não poderei libertá-la para que ela volte a pôr ordem nas coisas por aqui.

Paro em frente a porta do papai, os guardas abrem para mim, já vou entrando para acordá-lo. Como sempre, ele se encontra desnudo entre finos lençóis com uma criada qualquer ao seu lado. Reviro meus olhos pela falta de respeito que ele tem consigo mesmo, e separo as roupas que ele deverá usar, abro as cortinas que impedem a luz do sol de se aventurar pelo quarto e o vejo se remexer. A criada logo levanta e some pelos longos corredores, ele é mais demorado e se remexe por um tempo até que decido me pronunciar para acelerar o processo.

–Bom dia Vossa Alteza! Você tem compromissos logo logo. – Digo com impaciência pela demora daquele velho se mexer para levantar e finalmente ele abre os olhos e me retiro para os próximos afazeres.

Novamente volto aos corredores intermináveis para me encaminhar aos outros preparativos, terei de elaborar algo monumental para tirar seus olhos para o fútil. Haverá um desjejum, almoço e banquete de jantar. Hérberus apresentará suas propostas, as mulheres grávidas farão seus anúncios, os novos casamentos e ninguém dará a mínima para Arcília que não se assemelha a si mesma e tudo estará normal.

Avisto no pátio Cristynérion lutando com algum soldado de nosso pai, creio que essa era a sua válvula de escape, sua esposa parecia acumular tudo e ele externalizava lutando e descontando sua raiva nos soldados. Ele estava também bem envolvido em algum projeto, Hérberus o havia incentivado a seguir sua ideia de fazer um ser com o poder da escuridão e as rochas dos planetas mortos, provavelmente nos apresentaria essa noite. Isso gerará medo em qualquer um que se quer pense em iniciar uma rebelião.

O que se passa na cabeça de meus irmãos e irmãs não posso prever, posso ler seus gestos e interpretá-los, mas uma certeza tem vindo como uma coceira atrás da orelha, em breve ele chegará. Arcília previu quando se encontrava em posse de sua sanidade, deixou escrito que ele viria salvá-la de sua gaiola e lhe daria a criança prometida, que irá reinar sobre todo o universo, esta iniciará a última guerra e terminará com ela. Profecias tendem a se cumprir, porém creio que não será ele que tirará mamãe de sua gaiola se eu estiver certo.

Paro um instante no caminho que seguia e escuto as feras criadas por minha irmã se aproximando com seus fortes rugidos, logo apurei-me para ir recebê-los na entrada principal, suas feras tinham escamas duras como pedra, asas grandes e fortes e patas gigantescas. Seres realmente assustadores de aparência, entretanto eram corteses e agradáveis, nas poucas vezes que me encontrei com tais tive ótimas conversas.

–Sejam bem vindos! É muito bom revê-los depois de tanto tempo. –Digo para todos que vieram montados em Artilys e Montyrex.

–É muito bom revê-lo meu príncipe, espero que tenhamos tempo para colocar a lábia em dia. –Diz Artilys com sua poderosa voz, ele se abaixa para que os outros possam descer de suas costas.

–Eu devo admitir irmão, que senti sua falta. –Diz Leonida que logo vem me abraçar bem forte, retribui o abraço na mesma intensidade.

–Também senti sua falta. –Digo e nosso abraço se desfaz para que eu possa cumprimentar o restante da família.

–Olá irmão! –Fala Alitrus me cumprimentando com um aperto de braço que logo é desfeito para que eu cumprimente meus sobrinhos e sobrinhas que já se encontram crescidos se comparado a última vez que os vi.

–Vamos ir indo, o Rei Hérberus está a nosso aguardo na sala do trono. –Digo sentindo o árduo gosto das palavras com as quais me obrigo a dizer. –Os aposentos de vocês já estão preparados e os criados levarão seus pertences até os devidos lugares.

A subida pelos degraus é rápida e logo as grandes portas são abertas nos mostrando o interior do palácio, adentramos pelo corredor principal até chegarmos à sala do trono, os pilares se erguem até o teto em forma de abóbada, no final do salão numa parte mais elevada em relação ao resto estava o trono das terras celestes, no qual Hérberus ousava se sentar. Os enormes vitrais por todo o salão retratavam a luz e a escuridão, a união entre ele e Arcília e o nascimento de seus filhos e filhas, muitos vitrais se encontravam incolores, ainda não haviam decidido o que colocar.

Ao lado dele em um trono menor se encontrava Arcília, seus olhos pareciam fixos, mas em nada prestava atenção. Quando chegamos perto o suficiente, um a um se ajoelhou em completo silêncio. Ele usava a roupa que eu havia escolhido e a coroa que ele mandou forjar anos atrás para si no núcleo de uma grande estrela, sua cor era negra com detalhes em ouro, mamãe não se encontrava usando coroa alguma, seus cabelos se encontravam trançados e seus olhos se moveram para seus filhos e netos, um sorriso sincero surgiu e seu corpo a obedeceu e desceu os degraus em nosso encontro.

Ela me abraçou e disse em meu ouvido: "Logo irei sair de minha gaiola e queimarei aquele que me prendeu, prepare minha fuga." O arrepio em meu corpo foi inevitável, eu haveria de fazer os preparativos em segredo, mamãe abraçou todos enquanto ele só nos observava de cima com desprezo e medo dela.

Após o reencontro cada um se dirigiu aos seus devidos cômodos, eu escrevi rapidamente uma cartinha para que Leonida me encontrasse no nosso antigo esconderijo e prendi em sua roupa.

Arfélis: As Crônicas da CriaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora