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Poucas horas foram o que dormi antes de chegar o momento de ir ao refeitório. Seria o primeiro dia de patrulha em todas as cidades de Italan, e eu não posso negar que o único motivo capaz de me adormecer na noite anterior foi o entorpecimento causado pelas lágrimas de ontem. Inapta a comer, escolho não prosseguir em direção ao refeitório.

Destinei meu período de alimentação a acompanhar Ger diante da vista do desfiladeiro, com quem brinco de adivinhação.

– Olhos de víbora, dentes de dragão, olhem durante um segundo e de pedra se tornarão – Ger revira os olhos.

– Eu detesto jogar com você, acha que tenho quatro anos? Quem não conhece a adivinhação da medusa?

– Um ponto para você. Sua vez. – Estico minhas pernas sobre o gramado.

– Incrustada com coragem e revestida pelo medo, de coração inabalável leva a vida com braveza.

Franzo o cenho e tamborilo os dedos no chão úmido.

– Que burra – resmunga. – Tem dez segundos, se não responder me deve uma noite de patrulha.

Inquieto-me. Cinco segundos se passam e minha mente entra em um colapso silencioso enquanto encaro a calça de couro diante de meus olhos abaixados. Ergo-os com as passadas sigilosas se aproximando de mim, quase inaudíveis. Kent me encara com as mãos descansadas em seu coldre escuro. Antes que o questione, ele me repreende.

– Por que não está comendo? – Ger se afasta sem que eu note de imediato. Traidor, me deixando sozinha com essa criatura horrenda.

– Bom dia, general – retruco sinalizando para Ger retornar, porém ele finge não notar meus movimentos enquanto encara o desfiladeiro. Kennet bufa antes de se inclinar para me forçar a levantar. – Não me toque.

Ergo-me, recuando um passo.

– O que você quer? Se tornou o instrutor nutricional agora?

– Sabe que meus treinos são pesados, não pode retornar fraca – relembra.

– Estou me lixando para seus treinos, Kent. Agora vai embora, não saí mais cedo do quarto para cruzar com você de novo e aturar sua idiotice.

Seus olhos são firmes durante a analise de meu rosto. A postura invencível permanece intacta, e eu sinto a onda de calor e raiva subir sob minha pele. Cerro a mandíbula e revido o olhar rigidamente.

– Tchau, general.

– Você precisa se alimentar.

– Ah, vá ah merda Diamonique. – Ele gargalha, então aproxima-se. Recuo dois passos, mas ele me segue e segura-me pelo cotovelo.

– Me fala o que te incomoda, Halina. – Exige.

– Saia.

– Não.

– Saia agora.

– Está surda?

– Não é óbvio? Você se transformou do vinho para água novamente.

Após tudo enfrentado juntos, imaginei que as barreiras entre nós iriam diminuir, todavia, está acontecendo exatamente o contrário. De repente, todas as certezas que começava a ter sobre Kent começam a se esvair de mim, aos poucos.

– O que há de errado? – meu tom de voz é comedido. Ponho as mãos nos bolsos da minha calça de couro e analiso seu rosto despreocupado. Seus fios escuros estão quase caindo sobre os olhos. Ele precisa urgentemente de um corte de cabelo, embora isso não o faça nem um pouco menos bonito. 

HERDEIRA DO SILENCIOOnde histórias criam vida. Descubra agora