VIII

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Incapaz de comparecer ao ritual oferecido para Théo, retornei a Espectro, com Kennet em meu encalço. O General não me permitiu ver Liara, afirmando que precisávamos treinar e que ele mesmo visitaria a garota na enfermaria. Apenas após me causar exaustão com treinos pesados, Kent faz o que disse e retorna com a notícia de que Liara está bem e amanhã participará da patrulha como todos os outros dias. 

O corte não foi profundo e as curandeiras com poderes feéricos conseguiram curá-la rapidamente. Parece até surreal a ideia de que a garota perdeu tanto sangue, viu seu parceiro ser morto, e ainda assim, está disposta a ir procurar os assassinados pelas redondezas. 

À noite, consigo dormir pesadamente a ponto de não sonhar, e nunca me senti tão agradecida pelo cansaço existir. Ao acordar, encontro no refeitório um enorme mural em homenagem a Théo, onde alguns deixavam flores e mantinham um silêncio respeitoso. Não comparecer ao enterro, na floresta, pareceu ser inútil para mim.  

Realizamos a primeira refeição do dia em silêncio, e até Jollin estava menos tagarela. Em seguida rumamos em direção a floresta onde encontramos mais dois corpos, desta vez, com Kennet substituindo Théo.  Isso repetiu-se durante dois dias, até que finalmente retiraram o mural de homenagem e as pessoas ao redor da Espectro abandonaram a posição de Luto, embora saiba que remover o mural não mudará o óbvio: o soldado não retornará. 

– Halina, como você conquistaria uma garota? – Jollin pergunta, sentado ao meu lado diante da mesa de madeira. Os outros ainda não haviam chegado para o café da manhã, então estávamos só nós dois. Encaro-o durante longos segundos, sem reação. – Está me assustando, Lina. 

Sorrio genuinamente. 

– Você não acha que é jovem demais para esse tipo de coisa? – levo uma porção de batatas adocicadas a minha boca. 

– Eu já tenho treze anos – diz, enfaticamente. – Não posso me apaixonar? Kennet falou que não há idade para isso. 

Arqueio as sobrancelhas e perscruto seu rosto despreocupado. 

– Não dê ouvidos a Kennet, ele não sabe de nada – retruco. Jollin suspira longamente.

– Sabe, repensei minha paixão, ela disse que ele é um babacão – meus lábios arqueiam em um sorriso indescritível antes que eu comece a gargalhar. Eu havia dito isso para a garotinha de cabelos negros e cacheados que sentou-se comigo há alguns dias. 

– Ela está certa – digo, com os olhos marejados de rir. – Sei de quem está falando, ela é muito bonita – Jollin encara-me com os olhos brilhantes.

– Eu sei – diz, com as bochechas coradas. 

– Mas não é o momento, tente conhecê-la primeiro, por um longo tempo, tipo dois anos, então você estará preparado – digo, como se tivesse domínio sobre relacionamento amoroso. – Assim como deve conhecer o General, ele não é flor que se cheire. – Aconselho, então Maelana chega junto de Jesman e Liara, que decidiu sentar-se conosco hoje. Percebo que ela tem buscado alimentar certa amizade com Kennet nos últimos dois dias, que chega poucos minutos depois carregando sua refeição.

Jollin começa uma conversa sobre conseguir ser ajudante de arquivista, entretendo todos com seu comportamento descomplicado e simpático, enquanto eu aproveito cada pedacinho de minha refeição. Permito-me ser envolvida pelas conversas descontraídas pois, apenas durante esses momentos, perto deles, esqueço que o mundo está prestes a explodir a minha volta.

Poucos minutos se passam até que Kennet se levante de seu banco, segurando a bandeja em mãos. O General se mantinha implicante comigo, no entanto, após descobrirmos que Diederic criara um jogo turbulento para conseguir poder, noto que Kent tem se mantido ocupado e comedido com as palavras. Nós dois desejamos capturar o Venal, e saber que ele ainda está em território Italano tem afetado o general.

– Jesman, pode me levar para ver as espadas de que falou? – indaga para meu irmão, que se levanta imediatamente. 

– Claro, cara, vamos lá – os dois saem para longe, e Jollin decide acompanhá-los, deixando-me com Maelana e Liara. Observo por cima do ombro os três se distanciarem da mesa que agora está silenciosa. E se dependesse de mim, permaneceria dessa forma. Não posso dizer o mesmo sobre Liara, que está sentada ao lado de Maelana. 

– Halina, quando você não o querer mais, me avisará? – Paro de mastigar enquanto encaro o rosto bronzeado de Liara encarar os garotos por cima de meu ombro. 

– O quê? – Pergunto. Maelana mantém os olhos sobre mim, aparentemente interessada no assunto.

– Você sabe... O lance com o Kennet – engulo a comida que continha em minha boca com dificuldade. Sinto minha garganta doer com o ato forçado ao empurrar o alimento mal mastigado goela abaixo. 

– Não existe lance algum entre mim e o general além do fato de que ele ama me importunar – explico-a, enfaticamente. Mordo a ponta de minha língua, horrorizada com sua suposição. 

– Desculpe, eu não sabia que ficaria tão... 

– Ofendida? – Indago, retoricamente. – Com o tempo, entenderá que minha interação com Kennet é inexplicável, mas longe de ser algo bom. Eu o odeio na maior parte do tempo. – Algo cintila em seus olhos.

– Sinto muito, pensei que você estivesse entre as jovens que o acham fenomenal. – Ela segura a garrafa transparente que continha um líquido amarelo que imagino ser suco, então o agita levemente, olhando sobre meu ombro. – Ele é um partidão, além de gostoso, óbvio. 

Faço careta. 

– Não posso concordar com você. – Baixo os olhos para meu colo e estalo a língua, decidindo que esquecerei o assunto, pois começo a sentir uma onda de desconforto que não compreendo. – Partidão. – Murmuro, com um sorriso de incredulidade. Kennet está longe de ser isto para mim. 

– Ele a visitou na enfermaria, e é mega simpático com todos. – Ergo uma sobrancelha para Maelana, vejo em seus olhos o reconhecimento de que o general não é assim com todos. Talvez este seja o detalhe que está despertando esse incômodo em mim, a consciência de que Kennet deseja ser irritante apenas comigo para poder me mostrar que posso ser implacável como ele, mesmo que por uma forçada ira. 

– Sim, além de gentil – Liara apoia o queixo na mão e suspira antes de voltar-me para mim. Acho que elas não estão falando do mesmo Kennet que eu. – Então, talvez pudesse movimentar alguns pauzinhos por mim? – Pergunta, em um tom de voz baixo e esperançoso. Não quero movimentar nada por você, flor.

– Sabe – inclino-me sobre a mesa para aproximar-me dela, que me analisa atentamente. – Acho que ele é gay. 

Ouço Maelana engasgar. Semicerro os olhos para encará-la, seu rosto sardento está avermelhado, ela realmente está engasgada. A ruiva tosse e faz um gesto despreocupado, indicando estar tudo bem. 

– Eu o vi beijando Asena há alguns dias – Liara murmura, ignorando as tosses de Maelana. Tento disfarçar a surpresa, deveria saber que o General não largaria sua devassidão na Espectro. – Você realmente não é amiga dele, senão, saberia. 

Respondo-a com um sorriso amarelo. 

– Sinto muito ter lhe dado uma informação falsa, Lia – levo uma mão ao peito, desculpando-me. – Não sei muito sobre sua vida, como acabei de informá-la, mas eu falarei com ele. 

– Faria isso? – Meneio a cabeça em afirmativa, me arrependendo poucos instantes depois. – Muito obrigada, Halina. – Responde, como se eu tivesse revolucionado o mundo. 

Talvez resulte em nada. A própria Liara afirmara vê-lo beijar Asena, o que acho contraditório para alguém que está me pedindo para ser seu cupido, como se o general fosse uma espécie de cortesão inalcançável. Sinto uma pontada de nojo invadir-me. Engulo o pensamento para não o libertar em voz alta e começar a xingar minha suposta nova colega. 

– Estána hora de ir a floresta – Maelana se pronuncia. Concordo com ela, entãolevanto-me do banco, carregando a bandeja comigo. – Ainda temos que encontrar Jesman eKennet – conclui quando dou as costas para a mesa e começo a caminhar emdireção as cozinheiras que recebem os recipientes vazios.  Que elas o encontrem.

HERDEIRA DO SILENCIOOnde histórias criam vida. Descubra agora