VII

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Desta vez, tivemos estômago para tirar um tempo para almoço. Jesman levara uma pequena quantidade de comida que nos sustentara até o fim da tarde, o horário em que retornamos para a Espectro. Durante o dia encontramos dois corpos atingidos com flechas pela manhã, e durante o início da tarde, mais dois. Pergunto-me se Liara e Théo se encontram em situações parecidas.

Jesman caminha a metros de distância, e Maelana concentra-se ao meu lado, analisando em silêncio qualquer movimento estranho na floresta. Sei que ela almeja tanto quanto eu encontrar não só os corpos, mas também o autor em ação, para fazer o quer que sua mente maluca anseia.

A fauna e a flora continuam harmônicas, movidos pela canção suave do vento que beija cada folha verdejante, agitando moderadamente os fios de meus cabelos dourados. Inalo o ar morno do sol da tarde e tento absorver para mim uma parcela de toda a serenidade que o entorno me causa.

– Halina – Maelana fala em um tom baixo, o que me surpreende, ela é tão escandalosa quanto eu. Sequer a vi se aproximar. – Eu sei que você está passando por uma fase difícil...

– Podemos pular para o real assunto? Não aguento mais essa baboseira de eu sei que você está passando por uma barra pesada, Halina. Você deve estar muito mal, Halina. Sinto muito por estar passando por isso... Eu entendo o que você está passando... quando na verdade ninguém entende, e eu odeio quando falam comigo como se eu fosse uma criancinha que não pode ouvir notícias ruins, ou uma boneca de porcelana que só pode viver com eufemismos. – Digo, exasperada, encarando as árvores a minha volta.

– Desculpa – sua voz é apenas um sussurro quebrado. – Eu senti isso na minha própria pele, e também não gostava de ouvir esse tipo de conforto.

Meu irmão me relatara brevemente sobre a história da ruiva quando a vi pela primeira vez na estalagem. Maelana é aparentemente dócil, consigo imaginá-la como uma menina meiga que ama usar vestidos delicados e alegre. Talvez essa garota tenha ficado no passado, e eu sei que suas atitudes rudes são frutos de uma autodefesa forçada, que a garota teve de aprender a adquirir para não morrer. Isso é o que me faz não ter nojo dela.

Enxergá-la sorrindo facilmente ao lado de meu irmão me diz que ela não é o bicho de quatro cabeças que imaginei ser, embora não possa dizer que concorde. Maelana é arrogante por ter sido ensinada a agir assim quando ameaçada, e sua aparência delicada de garota do campo gentil é apenas mais uma arma forjada para si mesma.

– Eu detestava quando me olhavam como a menina órfã que perdeu os pais no dia sangrento. – Admite, com os passos lentos, mantendo uma distância considerável da figura a nossa frente. – E odiei mais ainda chegar a Espectro e ter que contar sobre como tive que ir para os campos de Aramelo quando criança, o quanto sofri para tentar sobreviver e esconder meus poderes sem a ajuda de meus pais.

Assinto, embora não ache que ela tenha visto.

– E então? – pergunto, abandonando o assunto que, eu sei, faria mal a nós duas.

Ela retesa o corpo levemente, em desconforto.

– Eu gostaria de saber o que você acha sobre... você sabe, eu e seu irmão – tusso em resposta, quase me engasgo com minha própria saliva. Ela me observa com os olhos arregalados.

– Desculpe – murmuro, então detenho os passos para voltar-me para ela. – Não esperava por isso.

– Sei que você não é do tipo que sabota as pessoas – admite, o que me faz abrir a boca. Nunca pensei que ela fosse imaginar a hipótese de que eu a sabotaria, no entanto, tendo em vista nossas interações agressivas, seria um pouco imaginável, sim. – Mas eu percebo que ele preza muito sua opinião, você é tudo para ele – Maelana movimenta suas mãos na frente do corpo ao falar. – E ao mesmo tempo, você me odeia – seus olhos castanhos encontram os meus, apreensivos. Pigarreio.

HERDEIRA DO SILENCIOOnde histórias criam vida. Descubra agora