VI

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Acordei com Kennet em minha cama, abraçando minha cintura atrás de mim e com o nariz infiltrado em meus cabelos. Levanto-me com pressa, tentando ser o mais silenciosa possível. As vezes surpreendo-me com nossas interações, é um mar de certeza e inconstância que nunca entenderemos. Como esperado, tive pesadelos na noite anterior, muito, muito mais agressivos do que já tive em qualquer outra noite. 

A cada sonho ruim, penso que não há como piorar, mas sempre há como piorar. Desta vez eu estava desesperada, acordei com gritos e choro e mãos trêmulas. Parecia que o meu mundo estava acabando, não tive forças para erguer meus escudos mentais e impedir que o General visse meus monstros, mas ele viu. Kennet viu o que me aterrorizou nesta noite e decidiu simplesmente me abraçar. 

E o pior de tudo – para meu ego e para mim mesma, que o odeio na maior parte do tempo –, é que não posso negar que consegui dormir bem com ele. Movida pelo constrangimento, consegui me levantar sem despertá-lo. Foi a única oportunidade para não o encará-lo após esta noite que, apenas agora, percebo que foi constrangedora.  Saio do quarto às pressas para não vê-lo. 

– Halina! – Ergo os olhos ao sair de meu quarto e deparo-me com Jollin e mamãe. Meu irmão mais novo se joga em meus braços antes que eu consiga falar qualquer palavra.

– Pela natureza, Jollin! – murmuro, admirada. – Você parece ter crescido dez metros, e essa voz! Eu quase não reconheci sua voz. – Desprendo-me de seu aperto e encaro meu irmão, ele está exatamente do meu tamanho. Seguro seu rosto rosado com as mãos e encaro seus olhos azuis, tão gentis. Beijo sua cabeça e aperto suas bochechas.

– Você passou muito tempo longe – diz, tentando se desvencilhar de meu aperto. – Lina, apertar bochecha é coisa de criança, vai me constranger. – Arregalo os lábios e finalmente observo minha mãe, que tem lágrimas nos olhos. Nós duas rimos do comentário dele. 

– Por acaso eu passei mais de dez anos longe e não notei? – aperto sua bochecha com uma só mão e ele esboça uma careta. Jollin veste um suéter simples e uma calça cinza, enquanto minha mãe usa uma blusa azul com mangas até os cotovelos, uma saia canelada que ia até os joelhos, preta assim como a sandália.  

Quando meu irmão se afasta, mamãe finalmente me abraça em um aperto sufocante.

– Filha... – sinto suas lágrimas escorrerem em meu ombro, sobre minha camiseta branca. – Estou com tanta saudade – murmura, então se afasta para me encarar. Seus olhos claros estão avermelhados, assim como o nariz torcido. – Como você está? Ora, mas que pergunta tola... você está passando por tanto. 

– Mãe, está tudo bem. – Conforto-a, dando me conta de sua presença. – Por que nunca consigo vê-los? – indago quando seguro suas mãos. 

– Eu trabalho no turno da madrugada, soube do ocorrido ontem e violei meu toque de recolher, precisava vê-la. – Sinto minhas bochechas queimarem. Se ela tivesse chegado poucos minutos antes, teria me encontrado na cama com Kennet. Seria uma situação desconfortável. 

– Mamãe, precisamos conversar –uma sombra inunda seus olhos. – Preciso vê-la mais, esses dias foram terríveis sem vocês. – Ela assente, então baixa os olhos para nossas mãos unidas. 

– Sim, eu sei – responde, com suavidade na voz. – Consegui que Jollin estivesse no mesmo cronograma de Jes e você, então agora você poderá vê-lo com mais frequência. 

Abro um sorriso imenso, então olho para meu irmão, divinamente feliz ao meu lado.

– Mas e você, mãe? – ela desvia os olhos para algo sobre meu ombro, então faz um sinal para que a pessoa espere. 

HERDEIRA DO SILENCIOOnde histórias criam vida. Descubra agora